Ao indivíduo acostumado ao íntimo das profundidades, o «mistério»
não intimida; não fala dele e não sabe o que seja: vive-o... A realidade
em que se move não comporta outra: não tem uma zona inferior nem
um além: está abaixo de tudo e para além de tudo. Farto de
transcendência, superior às operações do espírito e às servidões que se
lhe associam, repousa na sua curiosidade inexaurível... Nem a religião
nem a metafísica o intrigam: o que poderia sondar ele que se encontra
já em pleno insondável? Cumulado, está-o sem dúvida; mas ignora
se continua a existir.
Afirmamo-nos na medida em que, por trás de uma realidade dada,
perseguimos uma outra e em que, para além do próprio absoluto,
continuamos à procura. A teologia detém-se em Deus? De maneira
nenhuma. Quer remontar mais alto, tal como a metafísica que, ao mesmo
tempo que investiga a essência, não se digna fixar-se nela. Uma e outra
temem ancorar num princípio último; passam de segredo em segredo;
incensam o inexplicável e abusam dele sem pudor. O mistério, que
oferenda! Mas que maldição pensar tê-lo atingido, imaginar que o
conhecemos e que poderemos residir nele! Já não há que procurar:
aí está ele, ao alcance da mão. Da mão de um morto.
Emil Cioran
LIVROS RELEVANTES
- A. Soljenish: Pavilhão de Cancerosos
- Baltasar Gracián: Arte da Prudência
- Charles Baudelaire: Flores do Mal
- Emile Zola: Germinal
- Erich Fromm: Medo à Liberdade
- Fernando Pessoa: O Livro do Desassossego
- Fiódor Dostoiévski: O Eterno Marido
- Franz Kafka: O Processo
- Friedrich Nietzsche: Assim Falou Zaratustra
- Friedrich Nietzsche: Humano, demasiado humano
- Fritjof Capra: O Ponto de Mutação
- Goethe: Fausto
- Goethe: Máximas e Reflexões
- Jean Baudrillard: Cool Memories III
- John Milton: Paraíso Perdido
- Júlio Cortázar: O Jogo da Amarelinha
- Luís Vaz de Camões: Sonetos
- Mario Quintana: Poesia Completa
- Michele Perrot: As Mulheres e os Silêncios da História
- Miguel de Cervantes: Dom Quixote de La Mancha
- Philip Roth: O Anjo Agonizante
- Platão: O Banquete
- Robert Greene: As 48 Leis do Poder
- Salman Rushdie: O Chão que ela pisa
- Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação
- Stendhal: Do Amor
- Sun Tsu: A Arte da Guerra
- William Faulkner: Luz em Agosto
- William Shakespeare: Hamlet
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
CLARICE LISPECTOR
Ser às vezes sangra.
Mas não há como não sangrar pois
é no sangue que sinto a primavera.
Dói.
A primavera me dá coisas.
Dá do que viver.
E sinto que um dia na primavera é que vou morrer.
De amor pungente e de coração enfraquecido.
CLARICE LISPECTOR
Mas não há como não sangrar pois
é no sangue que sinto a primavera.
Dói.
A primavera me dá coisas.
Dá do que viver.
E sinto que um dia na primavera é que vou morrer.
De amor pungente e de coração enfraquecido.
CLARICE LISPECTOR
BERTOLD BRECHT
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade
consciente, de humanidade desumanizada, nada deve
parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
BERTOLD BRECHT
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade
consciente, de humanidade desumanizada, nada deve
parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
BERTOLD BRECHT
JORGE LUIS BORGES
CAMPOS ENTARDECIDOS
O poente em pé como um Arcanjo
tiranizou o caminho.
A solidão povoada como um sonho
remanseou-se ao redor do vilarejo.
Os cincerros recolhem a tristeza
dispersa dessa tarde. A lua nova
é um fio de voz que vem do céu.
Conforme vai anoitecendo
volta a ser campo o vilarejo.
O poente que não cicatriza
ainda fere a tarde.
As cores trêmulas se acolhem
nas entranhas das coisas.
No aposento vazio
a noite fechará os espelhos.
Jorge Luis Borges
O poente em pé como um Arcanjo
tiranizou o caminho.
A solidão povoada como um sonho
remanseou-se ao redor do vilarejo.
Os cincerros recolhem a tristeza
dispersa dessa tarde. A lua nova
é um fio de voz que vem do céu.
Conforme vai anoitecendo
volta a ser campo o vilarejo.
O poente que não cicatriza
ainda fere a tarde.
As cores trêmulas se acolhem
nas entranhas das coisas.
No aposento vazio
a noite fechará os espelhos.
Jorge Luis Borges
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Só o combate nos apraz, mas não a vitória: gostamos de ver
os combates de animais, não o vencedor a encarniçar-se sobre
o vencido; que desejámos ver, senão o fim da vitória?
E logo que ela é alcançada, ficamos saciados.
Assim no jogo, assim na busca da verdade.
Gostamos de ver, nas disputas, a luta de opiniões; mas não de
contemplar a verdade encontrada: para a saudarmos gostosamente
temos de vê-la nascer da disputa. Do mesmo modo, nas paixões,
o que dá prazer é assistir ao combate de duas contrárias; mas
quando uma delas domina, tudo se reduz a brutalidade.
Nunca buscamos as coisas, mas sim a busca das coisas.
BLAISE PASCAL
os combates de animais, não o vencedor a encarniçar-se sobre
o vencido; que desejámos ver, senão o fim da vitória?
E logo que ela é alcançada, ficamos saciados.
Assim no jogo, assim na busca da verdade.
Gostamos de ver, nas disputas, a luta de opiniões; mas não de
contemplar a verdade encontrada: para a saudarmos gostosamente
temos de vê-la nascer da disputa. Do mesmo modo, nas paixões,
o que dá prazer é assistir ao combate de duas contrárias; mas
quando uma delas domina, tudo se reduz a brutalidade.
Nunca buscamos as coisas, mas sim a busca das coisas.
BLAISE PASCAL
OSCAR WILDE
O MEDO DE NÓS MESMOS
Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse
forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a
cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de
energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época
medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo
mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso
homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem
sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida.
Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos
estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez,
e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação.
Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo
de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação
é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio
das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas
leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes
acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro,
e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.
OSCAR WILDE
Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse
forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a
cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de
energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época
medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo
mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso
homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem
sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida.
Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos
estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez,
e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação.
Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo
de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação
é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio
das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas
leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes
acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro,
e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.
OSCAR WILDE
ALDOUS HUXLEY
Deus existe, mas ao mesmo tempo Deus não existe.
O Universo é governado pelo acaso irracional e ao
mesmo tempo por uma providência com preocupações
éticas . O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas
também valioso e necessário. O Universo é um sádico
imbecil, mas também, simultaneamente, o mais
benevolente dos pais. Tudo é rigidamente
predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente
livre. O que é certo é que não há fuga da angústia e
da razão.
(ALDOUS HUXLEY)
O Universo é governado pelo acaso irracional e ao
mesmo tempo por uma providência com preocupações
éticas . O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas
também valioso e necessário. O Universo é um sádico
imbecil, mas também, simultaneamente, o mais
benevolente dos pais. Tudo é rigidamente
predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente
livre. O que é certo é que não há fuga da angústia e
da razão.
(ALDOUS HUXLEY)
AUGUSTO DOS ANJOS
A IDÉIA
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...
Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica
Augusto dos Anjos
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...
Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica
Augusto dos Anjos
ALBERTO CAEIRO
Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
ALBERTO CAEIRO
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
ALBERTO CAEIRO
JOSÉ LUIS PEIXOTO
Penso: talvez haja luz dentro dos homens, talvez uma
claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão,
talvez as certezas sejam uma aragem dentro ds homens e
talvez os homens sejam as certezas que possuem.
Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce
e talvez a gente não ande debaixo do céu, mas em cima
dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra
seja como um céu e quando a gente morre, quando a
gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu. Um
açude sem peixes, sem fundo, este céu.
JOSÉ LUÍS PEIXOTO
claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão,
talvez as certezas sejam uma aragem dentro ds homens e
talvez os homens sejam as certezas que possuem.
Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce
e talvez a gente não ande debaixo do céu, mas em cima
dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra
seja como um céu e quando a gente morre, quando a
gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu. Um
açude sem peixes, sem fundo, este céu.
JOSÉ LUÍS PEIXOTO
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