Às vezes, em dias de luz perfeita e exata,
Em que as coisas têm todas a realidade
Que podem ter, pergunto a mim próprio
devagar, porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer
Coisa que não existe.
Que eu dou às coisas em troca
Do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu
Das coisas: são belas?
(ALBERTO CAEIRO)
LIVROS RELEVANTES
- A. Soljenish: Pavilhão de Cancerosos
- Baltasar Gracián: Arte da Prudência
- Charles Baudelaire: Flores do Mal
- Emile Zola: Germinal
- Erich Fromm: Medo à Liberdade
- Fernando Pessoa: O Livro do Desassossego
- Fiódor Dostoiévski: O Eterno Marido
- Franz Kafka: O Processo
- Friedrich Nietzsche: Assim Falou Zaratustra
- Friedrich Nietzsche: Humano, demasiado humano
- Fritjof Capra: O Ponto de Mutação
- Goethe: Fausto
- Goethe: Máximas e Reflexões
- Jean Baudrillard: Cool Memories III
- John Milton: Paraíso Perdido
- Júlio Cortázar: O Jogo da Amarelinha
- Luís Vaz de Camões: Sonetos
- Mario Quintana: Poesia Completa
- Michele Perrot: As Mulheres e os Silêncios da História
- Miguel de Cervantes: Dom Quixote de La Mancha
- Philip Roth: O Anjo Agonizante
- Platão: O Banquete
- Robert Greene: As 48 Leis do Poder
- Salman Rushdie: O Chão que ela pisa
- Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação
- Stendhal: Do Amor
- Sun Tsu: A Arte da Guerra
- William Faulkner: Luz em Agosto
- William Shakespeare: Hamlet
sexta-feira, 13 de julho de 2007
VINICIUS DE MORAES
Felizes são os pássaros
Que chegam mais cedo que eu
À suprema fraqueza
E que, voando, caem,
Pequenos e abençoados,
Nos parques onde
A primavera é eterna.
(VINICIUS DE MORAES)
Que chegam mais cedo que eu
À suprema fraqueza
E que, voando, caem,
Pequenos e abençoados,
Nos parques onde
A primavera é eterna.
(VINICIUS DE MORAES)
CECILIA MEIRELES
Não busques para lá.
O que é, és tu.
Está em ti.
Em tudo.
A gota esteve na nuvem.
Na seiva.
No sangue.
Na terra.
E no rio que se abriu no mar.
E no mar que se coalhou em mundo.
Tu tiveste um destino assim.
Faze-te a margem do mar.
Dá-te à sede das praias
Dá-te a boca azul do céu
Mas foge de novo à terra.
Mas não toque nas estrelas.
Volve de novo a ti.
Retoma-te.
(CECILIA MEIRELES)
O que é, és tu.
Está em ti.
Em tudo.
A gota esteve na nuvem.
Na seiva.
No sangue.
Na terra.
E no rio que se abriu no mar.
E no mar que se coalhou em mundo.
Tu tiveste um destino assim.
Faze-te a margem do mar.
Dá-te à sede das praias
Dá-te a boca azul do céu
Mas foge de novo à terra.
Mas não toque nas estrelas.
Volve de novo a ti.
Retoma-te.
(CECILIA MEIRELES)
FERNANDO PESSOA
Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.
(FERNANDO PESSOA)
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.
(FERNANDO PESSOA)
T.S.ELIOT
(...) Eu disse à minha alma, fica tranquila,
e espera sem esperança
Pois a esperança seria esperar
pelo equívoco; espera sem amor
Pois o amor seria amar o equívoco;
contudo ainda há fé
Mas a fé, o amor e a esperança
Permanecem todos à espera
Espera sem pensar, pois que pronta
Não estás para pensar:
Assim a treva em luz se tornará,
e a dança há de o repouso
se tornar...
(T.S.ELIOT)
e espera sem esperança
Pois a esperança seria esperar
pelo equívoco; espera sem amor
Pois o amor seria amar o equívoco;
contudo ainda há fé
Mas a fé, o amor e a esperança
Permanecem todos à espera
Espera sem pensar, pois que pronta
Não estás para pensar:
Assim a treva em luz se tornará,
e a dança há de o repouso
se tornar...
(T.S.ELIOT)
MARIO QUINTANA
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
(mario quintana)
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
(mario quintana)
CECILIA MEIRELES
Não busques para lá.
O que é, és tu.
Está em ti.
Em tudo.
A gota esteve na nuvem.
Na seiva.
No sangue.
Na terra.
E no rio que se abriu no mar.
E no mar que se coalhou em mundo.
Tu tiveste um destino assim.
Faze-te a margem do mar.
Dá-te à sede das praias
Dá-te a boca azul do céu
Mas foge de novo à terra.
Mas não toque nas estrelas.
Volve de novo a ti.
Retoma-te.
(CECILIA MEIRELES)
O que é, és tu.
Está em ti.
Em tudo.
A gota esteve na nuvem.
Na seiva.
No sangue.
Na terra.
E no rio que se abriu no mar.
E no mar que se coalhou em mundo.
Tu tiveste um destino assim.
Faze-te a margem do mar.
Dá-te à sede das praias
Dá-te a boca azul do céu
Mas foge de novo à terra.
Mas não toque nas estrelas.
Volve de novo a ti.
Retoma-te.
(CECILIA MEIRELES)
FERNANDO PESSOA
Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.
(FERNANDO PESSOA)
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.
(FERNANDO PESSOA)
quinta-feira, 12 de julho de 2007
ALEXANDRE O'NEILL
A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.
A meu favor tenho uma rua em transe
Um alto incêndio em nome de nós todos
Alexandre O'Neill
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.
A meu favor tenho uma rua em transe
Um alto incêndio em nome de nós todos
Alexandre O'Neill
VINÍCIUS DE MORAES
Não, já não amo mais os passarinhos
A quem, triste, contei tanto segredo
Nem amo as flores despertadas cedo
Pelo vento orvalhado dos caminhos.
Não amo mais as sombras do arvoredo
Em seu suave entardecer de ninhos
Nem amo receber outros carinhos
E até de amar a vida tenho medo.
Tenho medo de amar o que de cada
Coisa que der resulte empobrecida
A paixão do que se der à coisa amada
E que não sofra por desmerecida
Aquela que me deu tudo na vida
E que de mim só quer amor - mais nada.
(Vinicius de Moraes)
A quem, triste, contei tanto segredo
Nem amo as flores despertadas cedo
Pelo vento orvalhado dos caminhos.
Não amo mais as sombras do arvoredo
Em seu suave entardecer de ninhos
Nem amo receber outros carinhos
E até de amar a vida tenho medo.
Tenho medo de amar o que de cada
Coisa que der resulte empobrecida
A paixão do que se der à coisa amada
E que não sofra por desmerecida
Aquela que me deu tudo na vida
E que de mim só quer amor - mais nada.
(Vinicius de Moraes)
MIGUEL TORGA
Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
(Miguel Torga)
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
(Miguel Torga)
FERNANDO PESSOA
Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
Fernando Pessoa
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
Fernando Pessoa
LUÍS DE CAMÕES
O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;
O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza;
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, Senhora.
O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.
Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.
Luís de Camões
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;
O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza;
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, Senhora.
O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.
Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.
Luís de Camões
ALEXANDRE O'NEILL
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O’Neill
Inaugurámos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O’Neill
AO FIM
Ao fim são muito poucas as palavras
que nos doem a sério e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
São também muito poucas as pessoas
que tocam nosso coração e menos
ainda as que o tocam muito tempo.
E ao fim são pouquíssimas as coisas
que em nossa vida a sério nos importam:
poder amar alguém, sermos amados
e não morrer depois dos nossos filhos.
(Amália Bautista)
que nos doem a sério e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
São também muito poucas as pessoas
que tocam nosso coração e menos
ainda as que o tocam muito tempo.
E ao fim são pouquíssimas as coisas
que em nossa vida a sério nos importam:
poder amar alguém, sermos amados
e não morrer depois dos nossos filhos.
(Amália Bautista)
ESSA É A PERGUNTA
Mas no fundo, o significado da vida e das nossas ações
talvez tenha sido esse laço que nos uniu a alguém –
laço ou paixão, chama-lhe o que quiseres.
Essa é a pergunta.(...) Pensas também que o significado
da vida não seja outro senão a paixão, que um dia invade
o nosso coração, e depois arde para sempre, até à morte?
Aconteça o que acontecer? E que se nós vivemos essa paixão,
talvez não tenhamos vivido em vão?
É assim tão profunda, tão maldosa, tão grandiosa
e desumana a paixão? … E talvez não se dirija a uma
pessoa em concreto, mas apenas ao desejo mesmo?...
Essa é a pergunta.
(Sándor Márai)
talvez tenha sido esse laço que nos uniu a alguém –
laço ou paixão, chama-lhe o que quiseres.
Essa é a pergunta.(...) Pensas também que o significado
da vida não seja outro senão a paixão, que um dia invade
o nosso coração, e depois arde para sempre, até à morte?
Aconteça o que acontecer? E que se nós vivemos essa paixão,
talvez não tenhamos vivido em vão?
É assim tão profunda, tão maldosa, tão grandiosa
e desumana a paixão? … E talvez não se dirija a uma
pessoa em concreto, mas apenas ao desejo mesmo?...
Essa é a pergunta.
(Sándor Márai)
SOPHIA DE MELLO
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta.
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta.
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
JORGE DE SENA
Quem muito viu, sofreu, passou trabalhos,
mágoas, humilhações, tristes surpresas;
e foi traído, e foi roubado, e foi
privado em extremo da justiça justa;
e andou terras e gentes, conheceu
os mundos e os submundos; e viveu
dentro de si o amor de ter criado;
quem tudo leu e amou, quem tudo foi –
não sabe nada nem triunfar lhe cabe
em sorte como a todos os que vivem.
Apenas não viver lhe dava tudo.
Inquieto e franco, altivo e carinhoso,
será sempre sem pátria. E a própria morte,
quando o buscar, há-de encontrá-lo morto.
(Jorge de Sena)
mágoas, humilhações, tristes surpresas;
e foi traído, e foi roubado, e foi
privado em extremo da justiça justa;
e andou terras e gentes, conheceu
os mundos e os submundos; e viveu
dentro de si o amor de ter criado;
quem tudo leu e amou, quem tudo foi –
não sabe nada nem triunfar lhe cabe
em sorte como a todos os que vivem.
Apenas não viver lhe dava tudo.
Inquieto e franco, altivo e carinhoso,
será sempre sem pátria. E a própria morte,
quando o buscar, há-de encontrá-lo morto.
(Jorge de Sena)
FERNANDO PESSOA
Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio.
Nada me impede,me impele,
Me dá calor ou dá frio.
Vou vendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada.
Vejo os rastros que ele traz.
Numa sequência arrastada,
Do que ficou para trás,
Vou vendo e vou meditando,
não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando,
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando.
Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali,
E do seu curso me fio,
Porque se o vi ou não vi,
Ele passa e eu confio.
(FERNANDO PESSOA)
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio.
Nada me impede,me impele,
Me dá calor ou dá frio.
Vou vendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada.
Vejo os rastros que ele traz.
Numa sequência arrastada,
Do que ficou para trás,
Vou vendo e vou meditando,
não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando,
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando.
Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali,
E do seu curso me fio,
Porque se o vi ou não vi,
Ele passa e eu confio.
(FERNANDO PESSOA)
AUSÊNCIA - DRUMMOND
Por muito tempo achei
Que a ausência era falta.
E lastimava ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
Aconchegada nos meus braços
que rio e danço
e invento exclamações alegres,
Porque a ausência,
Essa ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.
( Carlos Drummond de Andrade )
Que a ausência era falta.
E lastimava ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
Aconchegada nos meus braços
que rio e danço
e invento exclamações alegres,
Porque a ausência,
Essa ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.
( Carlos Drummond de Andrade )
quarta-feira, 11 de julho de 2007
LEDO IVO
O raio que caiu dividiu o verão.
a cisterna de luz escorria na terra
sob a nuvem purpúrea e o voo do gavião,
e me alcançou em cheio, no meio de mim
como o aroma da flor que se ergue no jardim
para impor a quem passa o domínio do instante.
O sol desmoronado escondeu os seus raios
na doçura da palha espalhada no estábulo.
A serpente agoniza, mudada em coral.
A relva abre caminho no silêncio dos homens
que escalam as montanhas douradas do outono.
Entre os que vão e vêm eu também venho e vou.
Nos tormentos do mundo fui multiplicado
e de tanto existir já não sei mais quem sou.
Ledo Ivo
a cisterna de luz escorria na terra
sob a nuvem purpúrea e o voo do gavião,
e me alcançou em cheio, no meio de mim
como o aroma da flor que se ergue no jardim
para impor a quem passa o domínio do instante.
O sol desmoronado escondeu os seus raios
na doçura da palha espalhada no estábulo.
A serpente agoniza, mudada em coral.
A relva abre caminho no silêncio dos homens
que escalam as montanhas douradas do outono.
Entre os que vão e vêm eu também venho e vou.
Nos tormentos do mundo fui multiplicado
e de tanto existir já não sei mais quem sou.
Ledo Ivo
FERNANDO PESSOA
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
FERNANDO PESSOA
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
FERNANDO PESSOA
WILLIAM YEATS
Tudo quanto é feio, destruído, todas as coisas gastas, velhas,
Maculam a tua imagem que engendra uma rosa no fundo do meu coração.
Tão grande é a mácula das coisas torpes que não pode ser descrita;
A minha ânsia é tudo reconstruir e sentar-me
num verde outeiro solitário, Com a terra, o céu,
a água renovados, como um cofre de ouro
Para os meus sonhos da tua imagem que floresce
numa rosa tão profundamente no meu coração.
(YEATS)
Maculam a tua imagem que engendra uma rosa no fundo do meu coração.
Tão grande é a mácula das coisas torpes que não pode ser descrita;
A minha ânsia é tudo reconstruir e sentar-me
num verde outeiro solitário, Com a terra, o céu,
a água renovados, como um cofre de ouro
Para os meus sonhos da tua imagem que floresce
numa rosa tão profundamente no meu coração.
(YEATS)
terça-feira, 10 de julho de 2007
BAUDELAIRE
A Uma Passante
tradução Guilherme de Almeida
A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daquí! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!
(CHARLES BAUDELAIRE)
tradução Guilherme de Almeida
A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daquí! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!
(CHARLES BAUDELAIRE)
AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA
Condenado estou a te amar
Nos meus limites
até que exausta e mais querendo
Um amor total, livre das cercas,
Te despeça de mim, sofrida,
Na direção de outro amor
Que pensas ser total e total será
Nos seus limites da vida.
O amor não se mede
Pela liberdade de se expor nas praças
E bares, em empecilho.
É claro que isto é bom e, às vezes,
Sublime.
Mas se ama também de outra forma, incerta,
E este o mistério:
- ilimitado o amor às vezes se limita,
Proibido é que o amor às vezes se liberta.
Ele quis morrer para arrasar a morte e voltar.
Affonso Romano de Sant'Anna
Nos meus limites
até que exausta e mais querendo
Um amor total, livre das cercas,
Te despeça de mim, sofrida,
Na direção de outro amor
Que pensas ser total e total será
Nos seus limites da vida.
O amor não se mede
Pela liberdade de se expor nas praças
E bares, em empecilho.
É claro que isto é bom e, às vezes,
Sublime.
Mas se ama também de outra forma, incerta,
E este o mistério:
- ilimitado o amor às vezes se limita,
Proibido é que o amor às vezes se liberta.
Ele quis morrer para arrasar a morte e voltar.
Affonso Romano de Sant'Anna
MARIO QUINTANA
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
Mario Quintana - A Cor do Invisível
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
Mario Quintana - A Cor do Invisível
RITA APOEMA
Toma o amor guardado entre as conchas da minha mão.
Dentro delas ouvi as ondas quebrando-se em pedras
e o espetáculo de um pequeno musgo nascido à beira
de um raio de sol. Dentro delas, ouvi a terra aninhando
sementes e plantas entrelaçando a ponta de suas raízes.
Finas raízes tentando sustentar o mundo
sob as placas de cimento.
As placas de cimento, de onde germinam as casas
e crescem as pessoas, entrelaçando a ponta de
seus braços e o mais fundo de seus corpos pela noite escura.
Dentro delas, ouvi o mundo inteiro tentando ser par...
e ouvi a ponta de tuas asas tocando minhas costas nuas,
teu instrumento de cordas e suspiros profundos.
(RITA APOEMA)
Dentro delas ouvi as ondas quebrando-se em pedras
e o espetáculo de um pequeno musgo nascido à beira
de um raio de sol. Dentro delas, ouvi a terra aninhando
sementes e plantas entrelaçando a ponta de suas raízes.
Finas raízes tentando sustentar o mundo
sob as placas de cimento.
As placas de cimento, de onde germinam as casas
e crescem as pessoas, entrelaçando a ponta de
seus braços e o mais fundo de seus corpos pela noite escura.
Dentro delas, ouvi o mundo inteiro tentando ser par...
e ouvi a ponta de tuas asas tocando minhas costas nuas,
teu instrumento de cordas e suspiros profundos.
(RITA APOEMA)
JOSÉ ARAÚJO
Seu eu fosse mudo
falaria mais do quanto falo...
Se eu fosse mudo , falaria como falo
Na mesma forma como em palavra
Seria em cada expressão de um silêncio
A cada vogal , a cada sentido
Cantaria como hoje eu canto
Se eu foosse mudo...
Me ouvirias além muralhas
Além de um fim de um silêncio
Á quanta inexistência....
Seria ummaior fogo de mim
Gritaria a todos os ventos
Sobre rochas do pesar
Na vista de todo o horizonte
Mesmo longe de tudo
Continuaria a minha voz
A quem me ouviria
Me ouviria como me ouve
Em cantos de voz
Porque minha voz
É uma alma em fogo
Que arde em mim
(JOSÉ ARAÚJO)
falaria mais do quanto falo...
Se eu fosse mudo , falaria como falo
Na mesma forma como em palavra
Seria em cada expressão de um silêncio
A cada vogal , a cada sentido
Cantaria como hoje eu canto
Se eu foosse mudo...
Me ouvirias além muralhas
Além de um fim de um silêncio
Á quanta inexistência....
Seria ummaior fogo de mim
Gritaria a todos os ventos
Sobre rochas do pesar
Na vista de todo o horizonte
Mesmo longe de tudo
Continuaria a minha voz
A quem me ouviria
Me ouviria como me ouve
Em cantos de voz
Porque minha voz
É uma alma em fogo
Que arde em mim
(JOSÉ ARAÚJO)
MARIO QUINTANA
O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconsequente conversa.
Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre...
Todas as horas são horas extremas!
(MARIO QUINTANA)
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconsequente conversa.
Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre...
Todas as horas são horas extremas!
(MARIO QUINTANA)
HENRIQUE DÓRIA
Quando à noite se incendeia
Dentro do meu quarto
A árvore nua
E a devoradora onda se ergue
Sobre mim à luz da lua
A cobra silenciosa vem
Ou eu caio sobre as águas
Negras do vórtice fundo
É a tua asa de ave
Do paraíso mãe
Que sempre me envolve
E me sustém
E todas as manhãs me devolve
Sereno e salvo
Ao mundo.
( HENRIQUE DÓRIA )
Dentro do meu quarto
A árvore nua
E a devoradora onda se ergue
Sobre mim à luz da lua
A cobra silenciosa vem
Ou eu caio sobre as águas
Negras do vórtice fundo
É a tua asa de ave
Do paraíso mãe
Que sempre me envolve
E me sustém
E todas as manhãs me devolve
Sereno e salvo
Ao mundo.
( HENRIQUE DÓRIA )
ÁLVARO DE CAMPOS
Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles...
Domingo...
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!
Álvaro de Campos
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles...
Domingo...
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!
Álvaro de Campos
JORGE DE SENA
Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.
Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.
Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.
Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.
Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.
A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.
Jorge de Sena
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.
Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.
Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.
Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.
Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.
A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.
Jorge de Sena
ROBERTO JUARROZ
As últimas estruturas estão gastas
e é preciso mudá-las,
sobretudo as mais finas.
Desmantelar o ar, por exemplo.
Desmantelar o pensamento.
Mas substituí-los por quê?
Há que pôr o ar no lugar do pensamento.
Há que pôr o pensamento no lugar do ar.
ROBERTO JUARROZ- Poesia Vertical
e é preciso mudá-las,
sobretudo as mais finas.
Desmantelar o ar, por exemplo.
Desmantelar o pensamento.
Mas substituí-los por quê?
Há que pôr o ar no lugar do pensamento.
Há que pôr o pensamento no lugar do ar.
ROBERTO JUARROZ- Poesia Vertical
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