WATLER CRANE

JEAN LEON GEROME

JEAN LEON GEROME

LIVROS RELEVANTES

  • A. Soljenish: Pavilhão de Cancerosos
  • Baltasar Gracián: Arte da Prudência
  • Charles Baudelaire: Flores do Mal
  • Emile Zola: Germinal
  • Erich Fromm: Medo à Liberdade
  • Fernando Pessoa: O Livro do Desassossego
  • Fiódor Dostoiévski: O Eterno Marido
  • Franz Kafka: O Processo
  • Friedrich Nietzsche: Assim Falou Zaratustra
  • Friedrich Nietzsche: Humano, demasiado humano
  • Fritjof Capra: O Ponto de Mutação
  • Goethe: Fausto
  • Goethe: Máximas e Reflexões
  • Jean Baudrillard: Cool Memories III
  • John Milton: Paraíso Perdido
  • Júlio Cortázar: O Jogo da Amarelinha
  • Luís Vaz de Camões: Sonetos
  • Mario Quintana: Poesia Completa
  • Michele Perrot: As Mulheres e os Silêncios da História
  • Miguel de Cervantes: Dom Quixote de La Mancha
  • Philip Roth: O Anjo Agonizante
  • Platão: O Banquete
  • Robert Greene: As 48 Leis do Poder
  • Salman Rushdie: O Chão que ela pisa
  • Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação
  • Stendhal: Do Amor
  • Sun Tsu: A Arte da Guerra
  • William Faulkner: Luz em Agosto
  • William Shakespeare: Hamlet

EDVARD MUNCH

JEAN PERRAULT

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

EMIL CIORAN

Ao indivíduo acostumado ao íntimo das profundidades, o «mistério»
não intimida; não fala dele e não sabe o que seja: vive-o... A realidade
em que se move não comporta outra: não tem uma zona inferior nem
um além: está abaixo de tudo e para além de tudo. Farto de
transcendência, superior às operações do espírito e às servidões que se
lhe associam, repousa na sua curiosidade inexaurível... Nem a religião
nem a metafísica o intrigam: o que poderia sondar ele que se encontra
já em pleno insondável? Cumulado, está-o sem dúvida; mas ignora
se continua a existir.
Afirmamo-nos na medida em que, por trás de uma realidade dada,
perseguimos uma outra e em que, para além do próprio absoluto,
continuamos à procura. A teologia detém-se em Deus? De maneira
nenhuma. Quer remontar mais alto, tal como a metafísica que, ao mesmo
tempo que investiga a essência, não se digna fixar-se nela. Uma e outra
temem ancorar num princípio último; passam de segredo em segredo;
incensam o inexplicável e abusam dele sem pudor. O mistério, que
oferenda! Mas que maldição pensar tê-lo atingido, imaginar que o
conhecemos e que poderemos residir nele! Já não há que procurar:
aí está ele, ao alcance da mão. Da mão de um morto.

Emil Cioran

CLARICE LISPECTOR

Ser às vezes sangra.

Mas não há como não sangrar pois

é no sangue que sinto a primavera.

Dói.

A primavera me dá coisas.

Dá do que viver.

E sinto que um dia na primavera é que vou morrer.

De amor pungente e de coração enfraquecido.


CLARICE LISPECTOR

BERTOLD BRECHT

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.


E examinai, sobretudo, o que parece habitual.


Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de

hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem

sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade

consciente, de humanidade desumanizada, nada deve

parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.



BERTOLD BRECHT

JORGE LUIS BORGES

CAMPOS ENTARDECIDOS


O poente em pé como um Arcanjo
tiranizou o caminho.
A solidão povoada como um sonho
remanseou-se ao redor do vilarejo.
Os cincerros recolhem a tristeza
dispersa dessa tarde. A lua nova
é um fio de voz que vem do céu.
Conforme vai anoitecendo
volta a ser campo o vilarejo.

O poente que não cicatriza
ainda fere a tarde.
As cores trêmulas se acolhem
nas entranhas das coisas.
No aposento vazio
a noite fechará os espelhos.


Jorge Luis Borges

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Só o combate nos apraz, mas não a vitória: gostamos de ver

os combates de animais, não o vencedor a encarniçar-se sobre

o vencido; que desejámos ver, senão o fim da vitória?

E logo que ela é alcançada, ficamos saciados.

Assim no jogo, assim na busca da verdade.

Gostamos de ver, nas disputas, a luta de opiniões; mas não de

contemplar a verdade encontrada: para a saudarmos gostosamente

temos de vê-la nascer da disputa. Do mesmo modo, nas paixões,

o que dá prazer é assistir ao combate de duas contrárias; mas

quando uma delas domina, tudo se reduz a brutalidade.

Nunca buscamos as coisas, mas sim a busca das coisas.



BLAISE PASCAL

OSCAR WILDE

O MEDO DE NÓS MESMOS


Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse

forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a

cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de

energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época

medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo

mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso

homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem

sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida.

Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos

estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez,

e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação.

Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo

de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação

é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio

das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas

leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes

acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro,

e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.


OSCAR WILDE

ALDOUS HUXLEY

Deus existe, mas ao mesmo tempo Deus não existe.

O Universo é governado pelo acaso irracional e ao

mesmo tempo por uma providência com preocupações

éticas . O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas

também valioso e necessário. O Universo é um sádico

imbecil, mas também, simultaneamente, o mais

benevolente dos pais. Tudo é rigidamente

predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente

livre. O que é certo é que não há fuga da angústia e

da razão.


(ALDOUS HUXLEY)

AUGUSTO DOS ANJOS

A IDÉIA



De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica



Augusto dos Anjos

ALBERTO CAEIRO

Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.


ALBERTO CAEIRO

JOSÉ LUIS PEIXOTO

Penso: talvez haja luz dentro dos homens, talvez uma

claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão,

talvez as certezas sejam uma aragem dentro ds homens e

talvez os homens sejam as certezas que possuem.

Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce

e talvez a gente não ande debaixo do céu, mas em cima

dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra

seja como um céu e quando a gente morre, quando a

gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu. Um

açude sem peixes, sem fundo, este céu.


JOSÉ LUÍS PEIXOTO

O POETA

O poeta é um ser solitário, sensível e diferente, que se

torna cúmplice do processo através do qual a palavra

impera sobre o homem, e ao mesmo tempo em que

precisa ser por ele domada, conhecida, vencida.

O poema nasce do esforço de obter da palavra o

máximo de precisão, expressão e, ao mesmo tempo,

beleza, variedade e ritmo. O poema nasce dessa

relação de ambiguidade. Para o poeta a palavra

deve ser deusa e serva. O poeta é também um

indagador do sentido da vida e através da sua

poesia pode favorecer a abertura do espírito e

da razão para os clarões das fugidias verdades.

O poeta é por isso o ser que estranha; e seu

estranhar o mundo, as coisas e o homem, determina

uma forma de humor, às vezes amargo, ora metafísico

ou filosófico, que reflete a percepção sempre vacilante

do mistério e a apreensão sempre imperfeita da

exatidão das palavras.

(Arthur da Távola)

HENRY THOREAU

Começai por ser bons...

Não é dever do homem na realidade devotar-se a extirpar o mal,

por grande que este seja; ele pode se preocupar decentemente

com outras

coisas; porém é seu dever, pelo menos não ficar alheio às injustiças

e não só


pensar a respeito delas, como ainda não as apoiar na prática.

Não vim ao mundo principalmente para torná-lo um lugar bom

para se viver,

mas para viver nele,

bem ou mal. O homem não tem que fazer tudo, mas

apenas alguma coisa; e por não poder fazer TUDO,

não é necessário que

faça mal ALGUMA COISA."



HENRY THOREAU

JORGE LUIS BORGES

Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos

dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte

o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar

uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma

tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em

primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus

olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são

particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama

de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que

seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se

tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus

erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me.

O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta.

A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar

que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança,

que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco

sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo;

que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que

viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez

a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o

esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas

sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses

desígnios, que não nos serão revelados.

Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro,

meu corpo.


JORGE LUIS BORGES

CECÍLIA MEIRELLES

Quando penso em você

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa,

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Já me traz contentamento

Pode ser até manhã,

Cedo claro feito dia

Mas nada do que me dizem

Me faz sentir alegria

Eu só queria ter no mato

Um gosto de framboesa

Prá correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

Que eu ainda sou bem moço

Prá tanta tristeza

E deixemos de coisa,

Cuidemos da vida,

Pois se não chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moço

Sem ter visto a vida.



CECÍLIA MEIRELLES

SCHOPENHAUER

É apenas a experiência que nos ensina quanto o caráter dos homens

é pouco flexível, e durante muito tempo, como as crianças pensamos

poder, através de sensatas representações, através da prece e da ameaça,

através do exemplo, através dum apelo à generosidade, levar os homens

a deixarem a sua maneira de ser, a mudarem a sua conduta e a desistirem

da sua opinião, a aumentar a sua capacidade; o mesmo se passa quanto à

nossa própria pessoa. É preciso que as experiências venham ensinar-nos

o que queremos, o que podemos: até essa altura ignorámo-lo, não temos

caráter; e é preciso mais do que uma vez que rudes fracassos venham

relançar-nos na nossa verdadeira via. - Enfim, aprendemo-lo, e chegamos

a ter aquilo que o mundo chama carácter, isto é o caráter adquirido.

Aí existe, portanto, apenas um conhecimento, o mais perfeito possível da

nossa própria individualidade: é uma noção abstrata, e por consequência

clara das qualidades imutáveis do nosso caráter empírico, do grau e da

direção das nossas forças, tanto espirituais como corporais, em suma,

do forte e do fraco em toda a nossa individualidade.


Arthur Schopenhauer - 'O Mundo como Vontade e Representação'

JORGE LUIS BORGES

Nunca haverá uma porta. Estás cá dentro
E a fortaleza abarca o universo
E não possui anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor do teu caminho
Que obstinado se bifurca noutro,
Tenha fim. É de ferro o teu destino
Como o juiz. Não esperes a investida
Do touro que é um homem, cuja estranha
Forma plural dá horror à maranha
De interminável pedra entretecida.
Não existe evasão. Nada te espera.
Nem no negro crepúsculo a fera.


Jorge Luis Borges

EMERSON

O que me importa unicamente é o que tenho de fazer, não o que

pensam os outros. Esta regra, igualmente árdua na vida imediata

como na intelectual, pode servir para a distinção total entre a

grandeza e a baixeza. E é tanto mais dura quanto sempre se

encontrarão pessoas que acreditam saber melhor do que tu qual

é o teu dever. É fácil viver no mundo de conformidade com a opinião

das gentes; é fácil viver de acordo consigo próprio na solidão;

mas o grande homem é aquele que, no meio da turba, mantém,

com perfeita serenidade, a independência da solidão.


EMERSON

DOSTOIÉVSKI

Desde que nos propomos emitir uma verdade de acordo com as

nossas convicções damos logo a impressão de fazer retórica.

Que espécie de prestidigitação vem a ser essa? Como é que nos nossos

dias não poucas verdades, proferidas que sejam, por vezes, mesmo em

tom patético, imediatamente ganham aspectos retóricos? Porquê é que

na nossa época cada vez há mais necessidade, quando pretendemos

dizer a verdade, de recorrer ao humor, à ironia, à sátira? Porquê adoçar a

verdade como se se tratasse de uma pílula amarga? Porquê envolver as

nossas convicções num misto de altiva indiferença, digamos, de desprezo

para com o público? Numa palavra, porquê certo ar de pícara condescendência?

Em nossa opinião, o homem de bem não tem de envergonhar-se das suas

convicções, ainda mesmo que estas transpareçam sob a forma retórica,

sobretudo se está certo delas.


Fiodor Dostoievski - "Diário de um Escritor"

ALICE RUIZ

por favor
não me aperte tanto assim
tenha cuidado, pega leve
olha onde pisa
isso é meu coração
meu ganha-pão
instrumento de trabalho,
meio de vida, profissão
meu arroz com feijão
meu passaporte
para qualquer parte
para qualquer arte
não machuque esse meu coração
preciso dele
para me levar a Marte
sem sair do chão
não me aperte
não machuque
tome cuidado
eu vivo disso
poesia, sonhos
e outras canções

sem emoção
morro de fome
sinto muito

mas não há nada
que eu possa fazer
sem coração

Alice Ruiz

JORGE DE SENA

Não teimes, não insistas, não repitas,
mas vive como quem, teimando, insiste,
e, porque insiste, como que repete.
Esse das sombras o silêncio fluido
escoando-se por ti quando não passas,
parado que ouves, não mais é que o tempo
de hoje em que vives só alheias vidas,
de ti alheadas qual de ti vividas.

Por outro tempo te criaste impuro,
difuso e firme, no clamor de versos
que os tempos de hoje reconstroem como
delidas cartas um fogacho acendem.
Outro que seja, é teu, pois o escutaste
na dor de apenas ser, na dor de ouvir
quão desatentos menos homens são
os homens todos. Teu, sem que teu seja,
que destes e dos outros se fará
serena ciência de possuírem tudo
o que juntares para ser roubado,
quando, parado no silêncio fluido,
se escoava nele o próprio estar na vida,
atento como estavas, poeta como eras
daquele ser não-sendo que eram todos
em ti, dentro de ti, à tua volta.



JORGE DE SENA

sábado, 6 de setembro de 2008

ARTHUR RIMBAUD

Pelas noites azuis de verão, irei em atalhos sob a lua,
Picotado pelos trigos, pisar a grama pequena:
Sonhador, sentirei nos pés o frescor que acena.
Deixarei o vento banhar minha cabeça nua.


Não falarei, não pensarei em nada sequer:
Mas me subirá na alma o amor soberano,
E irei longe, bem longe, feito um cigano,
Pela Natureza — feliz como se estivesse com uma mulher.



( ARTHUR RIMBAUD )

LORD BYRON

Oh! na flor da beleza arrebatada,

Não há de te oprimir tumba pesada;

Em tua relva as rosas criarão

Pétalas, as primeiras que virão,

E oscilará o cipreste em branda escuridão.

E junto da água a fluir azul da fonte

Inclinará a Tristeza a langue fronte

E as cismas nutrirá de sonho ardente;

Pausará lenta, e andará suavemente,

Como se com seus passos, pobre ente!

Os mortos perturbasse, mesmo levemente!

Basta! sabemos nós que o pranto é vão,

Que a morte, à nossa dor, não dá atenção.

Isso fará esquecer-nos de prantear?

Ou que choremos menos fará então?

E tu, que dizes para eu me olvidar,

Teu rosto acha-se pálido, úmido esse olhar.



LORD BYRON

TORQUATO DA LUZ

Talvez amanhã surja um meteoro ardente,
um pássaro de fogo ou um renque de estrelas.
Talvez no mar em ondas altas se levante
um cavalo de espuma sobre todas elas.
Talvez por dentro do silêncio, na sombria
noite, rebente como um grito a luz do dia.
Talvez, nos olhos de quem chora, a claridade
provoque uma explosão de beijos e de risos
e até na mais obscura rua da cidade
os lamentos e ais deixem de ser precisos.
Talvez na ilusão que nos permite a esperança
possamos ir em frente e prosseguir a dança.



TORQUATO DA LUZ

MARIO DE ANDRADE

CANÇÃO


... de árvores indevassáveis
De alma escusa sem pássaros
Sem fonte matutina
Chão tramado de saudades
A eterna espera da brisa,
Sem carinhos... como me alegrarei?

Na solidão solitude,
Na solidão entrei.

Era uma esperança alada,
Não foi hoje mas será amanhã,
Ha-de ter algum caminho
Raio de sol promessa olhar
As noites graves do amor
O luar a aurora do amor... que sei!

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me...

O agouro chegou. Estoura
No coração devastado
O riso da mãe-da-lua,
Não tive um dia! uma ilusão não tive!
Ternuras que não me viestes
Beijos que não me esperastes
Ombros de amigos fiéis
Nem uma flor apanhei.

Na solidão solitude,
Na solidão entrei,
Na solidão perdi-me.
Nunca me alegrarei.


MÁRIO DE ANDRADE

FERNANDO PESSOA

Afinal, quem sou eu quando não brinco?

Um pobre órfão abandonado

Nas ruas das sensações, tiritando de frio

Às esquinas da Realidade,

Tendo que dormir nos degraus da Tristeza

E comer o pão dado da Fantasia...



FERNANDO PESSOA

VINÍCIUS DE MORAES

Ai, quem me dera terminasse a espera
Retornasse o canto simples e sem fim
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai, quem me dera ver morrer a fera
Ver nascer o anjo, ver brotar a flor.
Ai, quem me dera uma manhã feliz.
Ai, quem me dera uma estação de amor

Ah, se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais

Ai, quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afim
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim

Ai, quem me dera ouvir o nunca-mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E, finda a espera, ouvir na primavera
Alguém chamar por mim.


(VINICIUS DE MORAES)

ADONSO ROMANO DE SANT'ANNA

Às vezes, pequenos grandes terremotos

ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam

alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas

há vários esmagamentos.

Os mais íntimos

já me viram remexendo escombros.

Em mim há algo imóvel e soterrado

em permanente assombro.




(Afonso Romano de Sant'Anna )

FERNANDO PESSOA

Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela
E oculta mão colora alguém em mim.
Pus a alma no nexo de perdê-la
E o meu princípio floresceu sem Fim.
Que importa o tédio que dentro em mim gela,
E o leve Outono, e as galas, e o marfim,
E a congruência da alma que se vela
Como os sonhados pálios de cetim?
Disperso... E a hora como um leque fecha-se...
Minha alma é um arco tendo ao fundo o mar...
O tédio? A mágoa? A vida? O sonho? Deixa-se...
E, abrindo as asas sobre Renovar,
A erma sombra do vôo começado
Pestaneja no campo abandonado...


FERNANDO PESSOA

GEORG TRAKL

VENTO QUENTE


Lamento cego no vento, dias lunares de inverno,
Infância, os passos se perdem discretos em negra sebe,
Longo toque noturno.
Discreta vem a noite branca,

Transforma em sonhos purpúreos tormento e dor
Da vida pedregosa,
Para que nunca o espinho deixe o corpo
em decomposição.

Profunda em sono suspira a alma angustiada,

Profundo o vento em árvores destruídas,
E a figura de lamento da mãe
Vagueia pela floresta solitária

Desse luto silente; noites
Repletas de lágrimas, de anjos de fogo.
Prateado, espatifa-se contra a parede nua
um esqueleto de criança.

(Georg Trakl)

FERNANDO PESSOA

Algumas obras morrem porque nada valem; estas, por morrerem logo,
são natimortas. Outras têm o dia breve que lhes confere a sua expressão
de um estado de espírito passageiro ou de uma moda da sociedade;
morrem na infância. Outras, de maior escopo, coexistem com uma época
inteira do país, em cuja língua foram escritas, e, passada essa época,
elas também passam; morrem na puberdade da fama e não alcançam
mais do que a adolescência na vida perene da glória. Outras ainda, como
exprimem coisas fundamentais da mentalidade do seu país, ou da civilização,
a que ele pertence, duram tanto quanto dura aquela civilização; essas
alcançam a idade adulta da glória universal. Mas outras duram além da
civilização, cujos sentimentos expressam. Essas atingem aquela maturidade
de vida que é tão mortal como os Deuses, que começam mas não acabam,
como acontece com o Tempo; e estão sujeitas apenas ao mistério final que
o Destino encobre para todo o sempre (...)
FERNANDO PESSOA

EÇA DE QUEIRÓS

O céu colabora na nossa vida íntima, vive connosco, acompanha-nos na
mudança do nosso ser; é um confidente, é um consolador; invoca-se,
fala-se-lhe. Olhar o céu é, nos nossos climas, uma ocasião de viver:
instintivamente, voltamos para ele os nossos olhos. O poeta meridional,
cheio de imagens e de cores, contempla-o; o burguês trivial, admira-o;
pela manhã, abre-se a janela e vai-se ver o céu! É um íntimo sempre
presente na nossa vida; o nosso estado depende dele: enevoado,
entristece-nos; claro e lúcido, alegra-nos; cheio de nuvens eléctricas,
enerva-nos. É no Céu que vemos Deus... E mesmo despovoado de
deuses, é ainda para o homem o lugar donde ele tira força, consolação
e esperança. A paisagem é feita por ele, a arte imita-o,
os poetas cantam-no.

EÇA DE QUEIRÓS

NIETZSCHE

Pandora trouxe o vaso que continha os males e o abriu.
Era o presente dos deuses aos homens, exteriormente um
presente belo e sedutor, denominado "vaso da felicidade".
E todos os males, seres vivos alados, escaparam voando:
desde então vagueiam e prejudicam os homens dia e noite.
Um único mal ainda não saíra do recipiente; então, seguindo
a vontade de Zeus, Pandora repôs a tampa, e ele permaneceu
dentro. O homem tem agora para sempre o vaso da felicidade,
e pensa maravilhas do tesouro que nele possui; este se acha
à sua disposição: ele o abre quando quer; pois não sabe
que Pandora lhe trouxe o recipiente dos males, e para ele o mal
que restou é o maior dos bens - é a esperança.
Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos
outros males, não reheitasse a vida, mas continuassem a se
deixar torturar. Para isso lhes deu a esperança: ela é na
verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens.


Humano, demasiado humano - NIETZSCHE

MARIANNE WIGGINS

... de um modo geral, a tendência do indivíduo é naturalmente

em direção à luz,

em direção à fonte da luz, como fazem os girassóis num campo.

As pessoas se inclinam,

sejam em sonhos ou em ações, na direção daquele ponto de

onde suspeitam que estejam

vindo suas luzes interiores. Se as chamam de Deus, ou de


consciência, ou de leis... os indivíduos se sublimam em direção

ao ponto onde arde seu fogo interior; e qualquer um,

se receber

energia suficiente para os pensamentos e um campo uniforme

no qual sonhar,

pode deixar sua marca no branco da história.




Marianne Wiggins - A Invisível Máquina do Mundo

RUBEM ALVES

Em O Noascimento da Tragédia Grega, Nietzsche observou que os

gregos, diferente dos cristãos, levavam a tragédia a sério. Não

existia para eles, um céu onde a tragédia seria transformada em

comédia. Então por que os gregos mesmo sendo dominados por

esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo?

A resposta que encontrou, foi a mesma da ostra que faz uma pérola:

são capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não

elimina a tragédia, mas a torna suportável.

A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se

basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem

que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas.


RUBEM ALVES

EMERSON

Conheceste todos os pássaros pelo nome,

sem teres usado de armas?

Amaste a rosa silvestre e a deixaste sem a colher?

Comeste o pão da mesa do rico

e a abandonaste?

Enfrentaste inerme o perigo sem que a confiança

esvaziasse seu coração?

E apreciaste tanto a atitude altiva no homem

e na mulher, que a comoção não te deixou

falar dela?

E para retribuir a nobreza por mais nobreza?

Oh, sê meu amigo

e ensina-me a ser o teu!


EMERSON

SILENCIAR

Tão difícil calar os pensamentos. Criar aquele

silêncio apaziguado de associações e de

raciocínios que se atropelam. Descartes, o

célebre autor da frase "Penso, logo existo!",

será que nunca cogitou que às vezes gostaríamos

de estar quietos, apenas existindo, sem nada no

que pensar? Então, tempos depois, aparece

Nietzsche e proclama "Existo, logo penso!",

condenando com isso a existência a ser um

pensar permanente e sem tréguas. Ainda bem

que temos os poetas, que são capazes de causar

a suspensão da realidade e de fazer a nossa alma

flutuar no ritmo das palavras. Através da poesia

conseguimos silenciar nossos pensamentos, numa

pausa bem-vinda que a nossa sensibilidade

agradece.

VARGAS LLOSA

Inventar e contar histórias é coisa tão antiga como falar,

uma atividade que deve ter nascido e crescido com a

linguagem (...) Os contos e as histórias foram anteriores às

religiões e também seus rudimentos, as sementes que a

imaginação, o medo e o sonhos da imortalidade desenvolveriam

depois em mitos, teologias, sistemas filosóficos e

arquiteturas intelectuais fabulosas. Assim, junto à vida

verddeira, a do suor, da fome, da rotina, da doença, outra

vida surgiu, feita de palavras e fantasias. Vida que se escutava

ao redor das fogueiras e permanecia na memória, como

um vinho que se podia beber pouco a pouco a fim de

reviver aquela embriaguez que tirava o ser humano do

mundo real e o levava a outro, feito de oásis e aventuras

sem fim, um mundo onde todos os sonhos podiam ser

realizados e no qual homens e mulheres viviam muitas

vidas e vivenciavam a morte.


MARIO VARGAS LLOSA

DOSTOIÉVSKI

E vocês sabem o que é um sonhador, cavalheiros?

É um pecado personificado, uma tragédia misteriosa,

escura e selvagem, com todos os seus horrores frenéticos,

catástrofes, devaneios e fins infelizes... um sonhador é

sempre um tipo difícil de pessoa porque ele é enormemente

imprevisível: umas vezes muito alegre, às vezes muito triste,

às vezes rude, noutras muito compreensivo e enternecedor,

num momento um egoísta e noutro capaz dos mais honoráveis

sentimentos... não é uma vida assim uma tragédia?

Não é isto um pecado, um horror? Não é uma caricatura?

E não somos todos mais ou menos sonhadores?


Fiodor Dostoievski - Escritos Ocasionais

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

PASCAL

Sobrecarregam-se os homens desde a infância com o cuidado da sua honra,
do seu bem, dos seus amigos, e ainda com o bem e a honra dos seus amigos.
Fatigam-se de afazeres, de aprendizagem de línguas e exercícios, e faz-se-lhes
sentir que não poderão ser felizes sem que a sua saúde, a sua honra,
a sua fortuna e a dos seus amigos estejam em bom estado e que uma
só coisa que faltasse os tornaria desgraçados. Assim dão-se-lhes cargos e
negócios que os fazem afadigar-se desde o amanhecer. - Aí está, direis, uma
estranha maneira de os tornar felizes!
Que poderia fazer-se de melhor para os tornar desgraçados? - Como!
O que se poderia fazer? Bastava apenas tirar-lhes todos estes cuidados;
pois então ver-se-iam a si mesmos, pensariam no que são, donde vêm e
para onde vão; e assim não os podem ocupar demais nem desviá-los.
E é por isso que, depois de lhes terem preparado tantos afazeres, se
têm algum tempo de descanso, os aconselham a empregá-lo a divertir-se,
a jogar e a ocupar-se sempre inteiramente.
Como o coração do homem é oco e cheio de imundície!


BLAISE PASCAL

sábado, 16 de agosto de 2008

JORGE LUIS BORGES

ENTARDECERES


A clara profusão de um poente
enaltece a rua,
a rua aberta como um vasto sonho
para qualquer acaso.
O límpido arvoredo
perde o último pássaro, o ouro último.
A mão andrajosa de um mendigo
agrava a tristeza dessa tarde.
O silêncio que mora nos espelhos
forçou seu cárcere.
A escuridão é o sangue
das coisas feridas.
No ocaso incerto
a tarde mutilada
foi umas pobres cores.


(Jorge Luis Borges)

FERNANDO PESSOA

Afinal, quem sou eu quando não brinco?

Um pobre órfão abandonado

Nas ruas das sensações, tiritando de frio

Às esquinas da Realidade,

Tendo que dormir nos degraus da Tristeza

E comer o pão dado da Fantasia...



FERNANDO PESSOA

DRUMMOND

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.


DRUMMOND

PAULO LEMINSKY

Voar com a asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
Estava todo ao meu lado
E o que se chama passado,
Passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
Quando tive que escolher
Entre um abismo, o começo,
E essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
Meu espaço, meu herói.
A asa arde. Voar, isso não dói.


.
Paulo Leminsky

JORGE LUIS BORGES

Nunca haverá uma porta. Estás cá dentro
E a fortaleza abarca o universo
E não possui anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor do teu caminho
Que obstinado se bifurca noutro,
Tenha fim. É de ferro o teu destino
Como o juiz. Não esperes a investida
Do touro que é um homem, cuja estranha
Forma plural dá horror à maranha
De interminável pedra entretecida.
Não existe evasão. Nada te espera.
Nem no negro crepúsculo a fera.

Jorge Luis Borges

DRUMMOND

A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil de meia verdade,
E a sua segunda metade
Voltava igualmente com meios perfis
E os meios perfis não coincidiam verdade...
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta,
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual
a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
Cada um optou conforme
Seu capricho,
sua ilusão,
sua miopia.


DRUMMOND

CECÍLIA MEIRELLES

É preciso não esquecer nada;

Nem a torneira aberta, nem o fogo aceso,

Nem o sorriso para os infelizes

Nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver

A nova borboleta nem o céu de sempre.

O que é preciso é esqueceer o nosso rosto,

O nosso nome, o som da nossa voz,

O ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer

É o dia carregado de atos,

A idéia de recompensas e de glória.

O que é preciso é ser como se já

Não fôssemos, vigiados pelos próprios olhos

Severos conosco, pois o resto

Não nos pertence.



( CECILIA MEIRELES )

VINÍCIUS DE MORAES

... hei de lançar também

as âncoras ardentes

das promessas...

Mas no meu coração

intranquilo

Não há senão fome e sede

de lembranças inexistentes.




(VINICIUS DE MORAES)

CANÕES

Busque Amor novas artes, novo engenho

Para matar-me, e novas esquivanças,

Que não pode tirar-me as esperanças,

Que mal me tirará o que eu não tenho.



Olhai de que esperanças me mantenho!

Vede que perigosas seguranças!

Que não temo contrastes nem mudanças,

Andando em bravo mar, perdido o lenho.



Mas, enquanto não pode haver desgosto

Onde esperança falta, lá me esconde

Amor um mal, que mata e não se vê,



Que dias há que na alma me tem posto

Um não sei quê, que nasce não sei onde,

Vem não sei como e dói não sei porquê.





Luís Vaz de Camões

Affonso Romano de Sant´Anna

O HOMEM E SUA SOMBRA-1


Era um homem com sombra de cachorro
Que sonhava ter sombra de cavalo
Mas era um homem com sombra de cachorro
E isto de algum modo o incomodava.

Por isto aprisionou-a num canil
E altas horas da noite
Enquanto a sombra lhe ladrava
Sua alma em pelo galopava



Affonso Romano de Sant´Anna

CECÍLIA MEIRELLES

Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?
Não encontro caminhos
fáceis de andar
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar
E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança,em cada lugar.
Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.



Cecília Meireles

quinta-feira, 17 de julho de 2008

ALBERTO CAEIRO

Criança Desconhecida


Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem aqui vinhas.
Brinca na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.
O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras
estão sujas.
Brinca! pegando numa pedra que te cabe na mão,
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta.


Alberto Caeiro

WORDSWORTH

Foram cinco anos; cinco verões, no durar

De cinco invernos longos!

E de novo escuto as águas

A rolar das fontes da montanha

Com um brando murmúrio interno.

- Outra vez eu contemplo

Esses íngremes e altos penhascos,

Que em cenário silvestre e solitário

Estampam pensares do mais fundo

Isolamento; e juntam a paisagem

Com a quietude do céu...





(WORDSWORTH)

PABLO NERUDA

Quem pode convencer o mar

para que seja razoável?

De que lhe serve demolir

âmbar azul, granito verde?

E para que tantas marcas

e tantos sulcos no rochedo?

Cheguei de detrás do mar

e onde vou quando me atalha?

Por que encerrei meu caminho

caindo no ardil do mar?



(PABLO NERUDA)

MANUEL BANDEIRA

Os poucos versos que aí vão,

Em lugar de outros é que os ponho.

Tu que me lês, deixo ao teu sonho

Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza

Ou bem teu júbilo, e, talvez,

Lhes acharás, tu que me lês,

Uma sombra de beleza...

Quem os ouviu não os amou.

Meus pobres versos comovidos!

Por isso fiquem esquecidos

Onde o mau vento os atirou.




(MANUEL BANDEIRA)

RICARDO REIS

... da vida pálida levando apenas

As rosas breves, os sorrisos vagos,

E as rápidas carícias

Dos instantes volúveis.

Pouco tão pouco pesará nos braços

Com que, exilados das supremas

Luzes, escolhermos do que fomos

O melhor para lembrar.




(RICARDO REIS)

RAUL DE LEONI

Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...

Às belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranqüila...

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis)

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...


RAUL DE LEONI

VINICIUS DE MORAES

Pra fazer poesia
Tem que ter inspiração
Se forçar ..
Nunca vai ficar boa

Se nao..
É como amar uma mulher só linda
E dai !??

Uma mulher tem que ter alguma coisa alem da beleza
Qualquer coisa feliz
Qualquer coisa que ri
Qualquer coisa que sente saudade

Um pedaço de amor derramado
Uma beleza ...
Que vem da tristeza
Que faz um homem que como eu sonhar

Tem que saber amar
saber sofrer pelo seu amor
E ser só perdao


Vinicius de Moraes

TORQUATO DA LUZ

Talvez amanhã surja um meteoro ardente,
um pássaro de fogo ou um renque de estrelas.
Talvez no mar em ondas altas se levante
um cavalo de espuma sobre todas elas.
Talvez por dentro do silêncio, na sombria
noite, rebente como um grito a luz do dia.
Talvez, nos olhos de quem chora, a claridade
provoque uma explosão de beijos e de risos
e até na mais obscura rua da cidade
os lamentos e ais deixem de ser precisos.
Talvez na ilusão que nos permite a esperança
possamos ir em frente e prosseguir a dança.



TORQUATO DA LUZ

sexta-feira, 4 de julho de 2008

DRUMMOND

(...)Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida ao meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que lêem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse neste minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e clama.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.



DRUMMOND

ALBERTO CAEIRO

Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.


Alberto Caeiro

sexta-feira, 20 de junho de 2008

MIGUEL TORGA

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.



MIGUEL TORGA

RILKE

Senhor, já é tempo:

Foi tão longo o verão.

Estende as Tuas sombras

Sobre as horas solares

E solta os ventos

Sobre os campos.

Ordena aos últimos frutos

Que se completem.



(RAINER MARIA RILKE)

DANTE

Não convém apressar juízos.

Imita o caminhante cauteloso

Que nem sim nem não

Responde pressuroso.

Revela-se o mais tolo

Entre os tolos aquele

Que sem meditação

Afirma ou nega.

A pressa é causa

De que muitas vezes

A opinião geral

Conclua erradamente,

Havendo a paixão tomado o lugar

Do raciocínio.

Com maior dano volta

Da procura da verdade

Aquele que não se preparou

Para encontrá-la.


DANTE

MÁRIO DE ANDRADE

"O Sol no poente, de novo auroral e nativo,

Fazia em caminho contrário um dia novo;

E as noires ficaram luminosamente diurnas,

E os dias massacrados se esconderam

No covão de uma noite sem fim."


" A febre tem um vigor

Suave de tristeza,

E os símbolos da tarde

Comparecem entre nós;

Não é preciso nem perdoar

Nem esquecer os crimes

Pra que venha este bem

De sossegar na pouca luz."



MÁRIO DE ANDRADE

FERNANDO PESSOA

Que costa é que as ondas contam

E se não pode encontrar

Por mais naus que haja no mar?

O que é que as ondas encontram

E nunca se vê surgindo?

Este som de o mar praiar

Onde é que está existindo?

Ilha próxima e remota,

Que nos ouvidos persiste,

Para a vista não existe.

Que nau, que armada, que frota

Pode encontrar o caminho

À praia onde o mar insiste,

Se à vista o mar é sozinho?

Haverá rasgões no espaço

Que dêem para outro lado,

E que, um deles encontrado,

Aqui, onde há só sargaço,

Surja uma ilha velada,

O país afortunado

Que guarda o Rei desterrado

Em sua vida encantada?




FERNANDO PESSOA

FERNANDO PESSOA

Que costa é que as ondas contam

E se não pode encontrar

Por mais naus que haja no mar?

O que é que as ondas encontram

E nunca se vê surgindo?

Este som de o mar praiar

Onde é que está existindo?

Ilha próxima e remota,

Que nos ouvidos persiste,

Para a vista não existe.

Que nau, que armada, que frota

Pode encontrar o caminho

À praia onde o mar insiste,

Se à vista o mar é sozinho?

Haverá rasgões no espaço

Que dêem para outro lado,

E que, um deles encontrado,

Aqui, onde há só sargaço,

Surja uma ilha velada,

O país afortunado

Que guarda o Rei desterrado

Em sua vida encantada?




FERNANDO PESSOA

OCTAVIO PAZ

RENDIÇÃO


Depois de ter cortado todos os braços que se estendiam

para mim; depois de ter entaipado todas as janelas e todas

as portas; depois de ter inundado os fossos com água

envenenada; depois de ter edificado minha casa num rochedo

inacessível aos afagos e ao medo; depois de ter lançado

punhados de silêncio e monossílabos de desprezo a meus

amores; depois de ter esquecido meu nome e o nome da

minha terra natal; depois de me ter condenado a perpétua

espera e a solidão perpétua, ouvi contra as pedras de meu

calabouço de silogismos a investida húmida, terna, insistente,

da Primavera.

Octávio Paz

ODISSEUS

JÁ NÃO CONHEÇO A NOITE



Já não conheço a noite, terrível anonimato da morte
No porto da minha alma ancora uma frota de astros.
Estrela da tarde, sentinela a refulgir na brisa
Celeste de uma ilha que me sonha
A proclamar de seus altos rochedos a alvorada
Meus dois olhos num abraço te acolhem com o astro
Do meu vero coração: Já não conheço a noite.

Já não conheço os nomes de um mundo que me nega
Leio as conchas, as folhas, os astros com clareza
Meu ódio é supérfluo nos caminhos do céu
A menos seja o sonho vendo-me cruzar de novo
Com lágrimas o mar da imortalidade.
Estrela do mar, sob o arco dourado de teus fogos
Já não conheço a noite que é só noite.


( ODISSEUS ELYTIS )

JOSÉ SARAMAGO

Eu luminoso não sou.

Nem sei que haja

Um poço mais remoto,

e habitado

De cegas criaturas,

de histórias e assombros.

Se, no fundo poço,

que é o mundo

Secreto e intratável

das águas interiores,

Uma roda de céu

ondulando se alarga,

Digamos que é o mar:

como o rápido canto

Ou apenas o eco,

desenha no vazio irrespirável

O movimento de asas.

O musgo é um silêncio,

E as cobras-d'água

dobram rugas no céu,

Enquanto, devagar,

as aves se recolhem.

JOSÉ SARAMAGO

HERBERTO HELDER

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,

eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.

No céu podia tecer uma nuvem toda negra.

E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,

e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,

levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.

Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,

e a fímbria do mar, e o meio do mar,

e vermelhas se volveram as asas da águia

que desceu para beber,

e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.

Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.

Correram os rapazes à procura da espada,

e as raparigas correram à procura da mantilha,

e correram, correram as crianças à procura da maçã.



HERBERTO HELDER

A.ESTEBANEZ

Há um corvo sobre o mundo
há o corpo de um moribundo
e um contra-senso profundo
nesse aquém de além do mar...
Há os pulmões sem o fôlego
os tropeços sem os trôpegos
há os atropelos sem tráfego
e um passado ainda a passar...
Há veredas de luz na direção da lua sobre o mar
a ponte movediça e esse final de rua nua de luar
e os desesperados de amor cansados de esperar...
Há a sombra do horizonte
as paixões de Anacreonte
há os sonhos dos amantes
e há corpos para enterrar...
E há um pássaro noturno
que não têm onde pousar...


A. ESTEBANEZ

ANTERO DE QUENTAL

Junto do mar, que erguia gravemente
À trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...

ANTERO DE QUENTAL

ALEXANDRE O'NEILL

Tempo das cerejeiras agressivas
A avançar pelo meu quarto dentro.
Velho tempo das noites explosivas
Em que o sangue crescia como o vento!
Tempo - aproximação das coisas vivas,
Do seu hálito doce, violento.
Tempo - horas e horas convertidas
No outro raro e inútil dum lamento...
Tempo como uma ferida no meu lado,
Coração palpitando sobre a lama.
Tempo perdido, sangue derramado,
Resto de amor que se deixou na cama,
Horizonte de guerra atravessado
Pelo corpo audacioso de uma chama.


O'Neill, Alexandre, No Reino da Dinamarca

MIGUEL TORGA

Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.
Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor


Miguel Torga

BAUDELAIRE

Nos porões de tristeza impenetrável
Onde o Destino um dia me esqueceu;
Onde jamais um róseo raio ardeu,
Só com a noite, hospedeira intratável,

Sou qual pintor que um Deus, por diversão,
Na treva faz mover os seus pincéis,
Ou cozinheiro de apetites cruéis
Que assa e devora o próprio coração.

Súbito brilha e faz-se ali presente
Fantasma esplêndido e de graça extrema
Em oriental postura evanescente.

Ao atingir a perfeição suprema,
Nela percebo a bela visitante:
Ei-la! Negra e contudo fulgurante


CHARLES BAUDELAIRE

EUGÊNIO DE ANDRADE

O SILÊNCIO


Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

EUGÊNIO DE ANDRADE

QUINTANA

RECORDO AINDA

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...




(MARIO QUINTANA)

NATHAN DE CASTRO

Cachoeiras


Nas águas represadas dos meus rios
morreram cachoeiras de poemas.
Os peixes já não brincam piracemas,
perderam-se nos veios mais sombrios.

As margens dos salgueiros imponentes
o tempo desmatou, deixando estragos,
pastagens e erosões. Onde os meus lagos
formados pelas águas das enchentes?

Restaram-me os espaços-passarinhos
de rabiscar palavras carpideiras
e um charco assoreado de aquarelas.

Mistérios dessas noites de chorinhos,
limo no peito e a dor de cachoeiras.
Saudades de acordar pingando estrelas!


( Nathan de Castro )

HERBERTO HELDER

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.

(...)



(HERBERTO HELDER)

terça-feira, 29 de abril de 2008

GOETHE

Abandonai-me aqui, meus fiéis companheiros!
Deixai-me ao pé do precipício, entre o pântano e o musgo;
Segui o vosso caminho! Olhai o mundo aberto.
A imensa terra, o céu sublime e grande;
Observai, procurai, coleccionai os factos,
Balbuciai o mistério da Natureza.

Para mim perdeu-se o Todo, eu mesmo me perdi,
Eu, que há bem pouco fui o preferido dos deuses;
À prova me puseram, deram-me Pandora,
De bens tão rica, mais rica ainda de perigos;
Impeliram-me para a boca dadivosa,
Separaram-me dela, e assim me aniquilam.


GOETHE

DANTE MILANO

CENÁRIO


Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.

Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua?



DANTE MILANO

JORGE LUÍS BORGES

Não restará na noite uma estrada

Não restará a noite.

Morrerei, e comigo a soma

do intolerável universo.

Apagarei as pirâmides, as medalhas,

os continentes e os rostos.

Apagarei a acumulação do passado.

Transformarei em pó a história,

em pó o pó.

Estou mirando o último poente.

Ouço o último pássaro.

Deixo o nada a ninguém.




(JORGE LUÍS BORGES)

MEU OLHAR AZUL

MEU OLHAR AZUL
...
Azul..meu olhar sempre foi azul...
não conheço outra cor de me olhar... nem de olhar!
a primeira paisagem que meus olhos lembram
é de dois lagos de um azul sem fim,
que me olhavam sob duas lentes claras..
eram os olhos azuis que me velavam...
depois era um céu azul, mas claro e menos belo..
mas, ainda azul que me cobria de liberdade e tempo...
depois eu conheci outras cores, e também o azul do mar.
velas brancas sob o ceu azul e sobre o azul do mar...
e o vermelho que me fazia chorar...
mas, que me brindava com o sorriso branco
sob o azul dos lagos de me embalar...
e veio o mar, e veio a vontade de navegar...
e era azul o mar e a vontade...
foi aí que eu conheci o triste azul da despedida...
o azul molhado..brilhante...e fiquei parado..
me vendo numa distorcida imagem azulada..
que viajou em duas gotas simétricas,
do presente ao futuro...e instalou-se no passado....
e nunca mais eu vi aqueles lagos azuis, sem fundo...
eles moram no ontem...
eu conheci várias cores e olhares de cores várias,
amei o verde e o carmin, o rosa e o marron....
me vesti de negro nos teus olhos...
e hoje meus olhos se colorem de lembanças,
porém só sei olhar azul, só sei ver azul...


M. Gafanhoto Nogueira

CESAR VALLEJO

E se depois de tantas palavras,
não sobrevive a palavra!
Se depois das asas dos pássaros,
não sobrevive o pássaro parado!
Mais valeria, na verdade,
que coma tudo e acabemos!

Ter nascido para viver na nossa morte!
Levantar-se do céu rumo à terra
por seus próprios desastres
e espiar o momento de apagar com a sua sombra as suas trevas!
Mas valeria, francamente,
que comam tudo e tanto faz!…

E se depois de tanta história, sucumbirmos,
não já na eternidade,
mas dessas coisas simples, como estar
em casa ou pôr-se a matutar!
E se em seguida descobrirmos,
subitamente, que vivemos,
a avaliar pela altura dos astros,
pelo pente e as nódoas do lenço!
Mais valeria, na verdade,
que comam tudo, sem dúvida!

Dir-se-á que temos
num dos olhos muita pena
e também no outro muita pena
e nos dois, quando olham, muita pena…
Então… Claro!… Então… nem uma só palavra!


César Vallejo

YEATS

Sobre os telhados a algazarra dos pardais,
Redonda e cheia a lua - e céu de mil estrelas,
E as folhas sempre a murmurar seus recitais,
Haviam esquecido o mundo e suas mazelas.

Então chegaram teus soturnos lábios rosas,
E junto a eles todas lágrimas da terra,
E o drama dos navios em águas tempestuosas
E o drama dos milhares de anos que ela encerra.

E agora, no telhado a guerra dos pardais,
A lua pálida, e no céu brancas estrelas,
De inquietas folhas, cantilenas sempre iguais,
Estão tremendo - sob o mundo e suas mazelas.



(YEATS)

MAIAKOVSKY

Antes eu acreditava
que os livros eram feitos assim:
um poeta vinha,
abria levemente os lábios,
e disparava louco numa canção.
Por favor!
Mas parece,
que antes de se lançarem numa canção,
os poetas têm de andar por dias com os pés em calos,
e o peixe lento da imaginação,
lateja ligeiro no bater do coração.
E enquanto, com a filigrana da rima, eles cozem uma sopa
de amor e rouxinóis,
a estrada sem língua apenas sucumbe
por não ter nada a gritar ou a dizer.





MAIAKOVSKY

quinta-feira, 10 de abril de 2008

MARIO QUINTANA

Os deuses não sabem apanhar o momento esvoaçante

como quem aprisiona um besouro na mão,

não sabem o contato deliciosos, inquietante

do que - só uma vez - os dedos reterão...

Em sua pobre eternidade, os deuses

Desconhecem o preço único do instante...

e esse despertar, ainda palpitante,

de quem cortasse ao meio um sonho vão.

No entanto a vida não é sonho... Não:

aberta numa flor ou na polpa de um fruto,

a vida aí está, eterna: nossa mão

é que dispõe apenas de um minuto.

E todos os encontros são adeuses...

(Como riem, meu pobre amor...

Como riem, de nós, esses eternos deuses!)


MARIO QUINTANA

WILLIAM WORDSWORTH

Por que estás em silêncio? É teu amor a planta
De tanta fraca fibra em que o pérfido ar
De ausência o que era assim formoso irá secar?
Nem dívida a pagar, dádiva que garanta?
Porém meu pensamento em ti é vigilante,
Atado a teu serviço em incessante zelo
A mente sem doar requer um mendicante
Por nada, mas poupar que possa teu desvelo.
Fala! embora este doce ardente peito, fito
Para ter mil prazeres almos, meus e teus,
Ficou mais assolado, um esfriar aflito,
Que um ninho abandonado e pleno de nevadas
No mesmo matagal de rosas desfolhadas
Fala, e a ânsia das dúvidas, seu fim saiba eu!



William Wordsworth

EMILY DICKINSON

Algo existe num dia de verão,
No lento apagar de suas chamas,
Que me implele a ser solene.

Algo, num meio-dia de verão,
Uma fundura - um azul - uma fragrância,
Que o êxtase transcende.

Há, também, numa noite de verão,
Algo tão brilhante e arrebatador
Que só para ver aplaudo -

E escondo minha face inquisidora
Receando que um encanto assim tão trêmulo
E sutil, de mim se escape.

Emily Dickinson

CARLOS NEJAR

As coisas não se submetem
à nossa vestidura;
na máscara que somos
as coisas nos conjuram.

Por que não escutá-las,
tão sáfaras e puras,
como flores ou larvas,
estranhas criaturas?

Por que desprezá-las
no sopro que as transmuda
com os olhos de favas,
fechados na espessura?

Por que não escutá-las
na linguagem mais dura,
comprimidas as asas
na testa que as vincula?

Despimos a armadura
e a viseira diurna;
a linguagem resvala
onde as coisas se apuram.

Recônditas e escravas
na cava da palavra,
são fiandeiras escuras
ou áspides sequiosas.

As coisas não se submetem
à nossa vestidura.



CARLOS NEJAR

MARIO BENEDETTI

Às vezes me sinto
como uma águia no ar
(de uma canção de Pablo Milanês)
outras vezes me sinto
como pobre colina
e outras como montanha
de picos repetidos
Algumas vezes me sinto
como um escarpado
e em outras como um céu
azul mais longe
as vezes sou
manancial entre pedras
e outras vezes uma árvore
com as últimas folhas
mas hoje me sinto apenas
como lagoa insone
como um porto
já sem embarcações
uma lagoa verde
imóvel e paciente
conformada com suas algas
seus musgos e seus peixes
sereno em minha confiança
acreditando que em uma tarde
te aproximes e te olhes
te olhes ao olhar-me.


(Mário Benedetti)

JOSÉ SARAMAGO

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas. Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.



José Saramago

segunda-feira, 31 de março de 2008

HERBERTO HELDER

«Transforma-se o amador na coisa amada»,
com seu feroz sorriso, os dentes,
as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído
e silêncio. Traz o barulho das ondas frias
e das ardentes pedras que tem dentro de si.
E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado
silêncio da sua última vida.
O amador transforma-se de instante para instante,
e sente-se o espírito imortal do amor
criando a carne em extremas atmosferas, acima
de todas as coisas mortas.

Transforma-se o amador. Corre pelas formas dentro.
E a coisa amada é uma baía estanque.
É o espaço de um castiçal,
coluna vertebral e o espírito
das mulheres sentadas.
Transforma-se em noite extintora.
Porque o amador é tudo, e a coisa amada
é uma cortina
onde o vento do amador bate no alto da janela
aberta. O amador entra
por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.
O amador é um martelo que esmaga.
Que transforma a coisa amada.

Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher
que escuta
fica com aquele grito para sempre na cabeça
a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve
e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito
do amador.
Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador,
dá-lhe o grito dele.
E o amador e a coisa amada são um único grito
anterior de amor.

E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito
de amador. E ela é batida, e bate-lhe
com o seu espírito de amada.
Então o mundo transforma-se neste ruído áspero
do amor. Enquanto em cima
o silêncio do amador e da amada alimentam
o imprevisto silêncio do mundo e do amor.


HERBERTO HELDER

LYA LUFT

Não tenho mais os olhos de menina...

O que te posso dar é mais que tudo

O que perdi: dou-te os meus ganhos.

A maturidade, que consegue rir

Quando em outros tempos, choraria...

Isso te posso dar: um mar antigo

E confiável, cujas marés,

Mesmo se fogem, retornam;

Cujas correntes não levam destroços,

Mas levam ao abraço das areias.


LYA LUFT

AUGUSTO DOS ANJOS

CONTRASTES


A antítese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!
O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!
Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,
Às alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!...


[Augusto dos Anjos]

ADÉLIA PRADO

Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.





ADÉLIA PRADO

VINÍCIUS DE MORAES

Uma lua no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.



Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.



Mas não partira delas; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz – eu de amor pouco e vida pouca



Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua boca
Uma gota de leite no seu seio.


Vinícius de Moraes

MANUEL BANDEIRA

Fui sempre um homem alegre.

Mas depois que tu partiste,

Perdi de todo a alegria:

Fiquei triste, triste, triste.

Nunca dantes me sentira

Tão desinfeliz assim:

è que ando dentro da vida

Sem vida dentro de mim.


(MANUEL BANDEIRA)

CECÍLIA MEIRELLES

Agora, o cheiro áspero das flores
leva-me os olhos por dentro de suas pétalas.
Eram assim teus cabelos;
tuas pestanas eram assim, finas e curvas.
As pedras limosas, por onde a tarde ia aderindo,
tinham a mesma exalação de água secreta,
de talos molhados, de pólen,
de sepulcro e de ressurreição.
E as borboletas sem voz
dançavam assim veludosamente.
Restituiu-te na minha memória, por dentro das flores!
Deixa virem teus olhos, como besouros de ônix,
tua boca de malmequer orvalhado,
e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios,
com suas estrelas e cruzes,
e muitas coisas tão estranhamente escritas
nas suas nervuras nítidas de folha
- e incompreensíveis, incompreensíveis.


CECÍLIA MEIRELLES

SOPHIA DE MELLO ANDRESEN

Estranha noite velada,
Sem estrelas e sem lua.
Em cuja bruma recua
Fantasma de si mesma cada imagem

Jaz em ruínas a paisagem,
A dissolução habita cada linha.
Enorme, lenta e vaga
A noite ferozmente apaga
Tudo quanto eu era e quanto eu tinha

E mais silenciosa do que um lago,
Sobre a agonia desse mundo vago,
A morte dança
E em seu redor tudo recua
Sem força e sem esperança.

Tudo o que era certo se dissolve;
O mar e praia tudo se resolve
Na mesma solidão eterna e nua.



Sophia de Mello Breyner Andresen

GIACOMO LEOPARDI

Repousa para sempre,

Meu coração cansado. O engano extremo

Que acreditei eterno – é morto. Sinto

Em nós de enganos puros,

Não que a esperança: o desejo já extinto.

Dorme até nunca – e o muito

Que pulsaste. Não vale coisa alguma

O impulso teu, nem de um suspiro é digna

A terra: amarga e balda

É a vida, mais que tudo – e lama o mundo.

Aquieta-te, não creias

Numa outra vez. Ao querer nosso o fado

Paga em morte: despreza-te, por fim,

E à natureza, e ao mudo

Poder que – ingente – à comum perda leva,

E à infinita vaidade de tudo.





GIACOMO LEOPARDI

ALBERTO CAEIRO

Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê...

Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?

Quando o Verão me passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...



ALBERTO CAEIRO

DANTE MILANO

Estar atento diante do ignorado,
reconhecer-se no desconhecido,
olhar o mundo, o espaço iluminado,
e compreender o que não tem sentido.
Guardar o que não pode ser guardado,
perder o que não pode ser perdido.
— É preciso ser puro, mas cuidado!
É preciso ser livre, mas sentido!
É preciso paciência, e que impaciência!
É preciso pensar, ou esquecer,
e conter a violência, com prudência,
qual desarmada vítima ao querer
vingar-se, sim, vingar-se da existência,
e, misteriosamente, não poder.



DANTE MILANO

CECÍLIA MEIRELLES

Eu sou essa pessoa a quem o vento chama
Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.
Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.
Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.
Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
- Agora és livre, se ainda recordas...


CECÍLIA MEIRELLES

EUGÊNIO DE ANDRADE

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar do sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.

Eugênio de Andrade

segunda-feira, 17 de março de 2008

AUGUSTO DOS ANJOS

CONTRASTES


A antítese do novo e do obsoleto,
O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!
O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!
Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,
Às alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!...


[Augusto dos Anjos]

DRUMMOND

A cada dia que vivo,
mais me convenço de que
o desperdício da vida está
no amor que não damos,

nas forças que não usamos,

na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.


(DRUMMOND)

OMAR KHAYYAM

Ah, Amor!

Se tu e eu com o destino

Pudéssemos conspirar

Para banir todo esse triste

Esquema das coisas,

E en pedaços fazê-lo -

Para depois remodelá-lo

Mais próximo do desejo

Do coração...



(OMAR KHAYYAM)

VINICIUS DE MORAES

Virgem! filha minha

De onde vens assim

Tão suja de terra

Cheirando a jasmim

A saia com mancha

De flor carmesim

E os brincos da orelha

Fazendo tlintlin?

Minha mãe querida

Venho do jardim

Onde a olhar o céu

Fui, adormeci.

Quando despertei

Cheirava a jasmim

Que um anjo esfolhava

Por cima de mim...



(VINICIUS DE MORAES)

PABLO NERUDA

Áspero Amor, violeta coroada

de espinhos, cipoal entre

tantas paixões eriçado,

lança das dores, corola de cólera,

por que caminhos e como

te dirigiste a minha alma?

Por que precipitaste teu fogo doloroso?

de repente, entre as folhas frias

de meu caminho?

Quem te ensinou os passos

que até mim te levaram?

Que flor, que pedra, que fumaça,

mostraram minha morada?



(PABLO NERUDA)

FABRÍCIO CARPINEJAR

Uma mulher é porta onde se via parede,

É vidro onde se via espelho.

Assemelha-se a um livro líquido.

Não há como emprestar ou guardar.

As páginas mudam de repente sua numeração.

Não há como fixá-las e marcar parágrafos.

É para ler tudo no momento,

Pois amanhã será outro livro e autora.

Não se lê a água, a água escreverá sobre as mãos.

A corrente fria e a quente se alternam,

As estações se provocam e se completam.



(FABRÍCIO CARPINEJAR)

MANUEL BANDEIRA

Fui sempre um homem alegre.

Mas depois que tu partiste,

Perdi de todo a alegria:

Fiquei triste, triste, triste.

Nunca dantes me sentira

Tão desinfeliz assim:

è que ando dentro da vida

Sem vida dentro de mim.


(MANUEL BANDEIRA)

VINICIUS DE MORAES

Uma lua no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.



Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.



Mas não partira delas; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz – eu de amor pouco e vida pouca



Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua boca
Uma gota de leite no seu seio.


Vinícius de Moraes

ADÉLIA PRADO

Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.





ADÉLIA PRADO

LYA LUFT

Não tenho mais os olhos de menina...

O que te posso dar é mais que tudo

O que perdi: dou-te os meus ganhos.

A maturidade, que consegue rir

Quando em outros tempos, choraria...

Isso te posso dar: um mar antigo

E confiável, cujas marés,

Mesmo se fogem, retornam;

Cujas correntes não levam destroços,

Mas levam ao abraço das areias.


LYA LUFT

sábado, 15 de março de 2008

FLORBELA ESPANCA

Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!

Florbela Espanca

DRUMMOND

(...) Estou só, não tenho amigo,

E essa hora tardia

Como procurar amigo?

(...) Tenho tanta palavra meiga,

Conheço vozes de bichos,

Sei os beijos mais violentos,

Viajei, briguei, aprendi.

Estou cercado de olhos,

De mãos, afetos, procuras,

Mas se tento comunicar-me,

O que há é apenas a noite

E uma espantosa solidão.


(DRUMMOND)

VITOR HUGO

Tudo tem neste mundo

A sua lei secreta.

Tem o remeiro a barca,

Onde a fé o acompanha;

Os cisnes têm o lago,

As águias a montanha,

As almas têm o amor.

Deixa-te, pois, amar;

Que o amor é a vida.

Sem ele tudo é vão,

Ele é a luz suprema;

A beleza é a fronte,

O amor é o diadema...

Deixa-te coroar...


(VITOR HUGO)

DRUMMOND

Eu quisera ver o mundo

Ver, no mundo,

Os muitos signos

Que vigiam sob as coisas.

Sentir, sob a forma, as formas,

Os segredos da matéria,

Mas a textura dos sonhos

De que se forma o real.

Ver a vida em plenitude

E em seu mistério mais alto;

Decifrar a linha, a sombra,

A mensagem não ouvida

Mas que palpita na Terra.

Eu quisera ter os olhos

Que assim penetram o arcano

E o torna um conhecimento humano.


(DRUMMOND)

DANTE MILANO

O falso amor imita o verdadeiro
Com tanta perfeição que a diferença
Existente entre o falso e o verdadeiro

É nula. O falso amor é verdadeiro
E o verdadeiro falso. A diferença
Onde está? Qual dos dois é o verdadeiro?

Se o verdadeiro amor pode ser falso
E o falso ser o verdadeiro amor,
Isto faz crer que todo amor é falso

Ou crer que é verdadeiro todo amor.
Ó verdadeiro Amor, pensam que és falso!
Pensam que és verdadeiro, ó falso Amor!


DANTE MILANO

CLARICE LISPECTOR

Nasci dura, heróica, solitária e em pé.
E encontrei meu contraponto na paisagem
sem pitoresco e sem beleza.
A feiúra é o meu estandarte de guerra.
Eu amo o feio com um amor de igual para igual.
E desafio a morte.
Eu - eu sou a minha própria morte.
E ninguém vai mais longe.
O que há de bárbaro em mim
procura o bárbaro e cruel fora de mim.
Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira.
Sou uma árvore que arde com duro prazer.
Só uma doçura me possui:
a conivência com o mundo.
Eu amo a minha cruz,
a que doloridamente carrego.
É o mínimo que posso fazer de minha vida:
aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.



CLARICE LISPECTOR

GARCIA LORCA

Mas o dois nunca foi um número

porque é uma angústia e sua sombra

porque é o violão onde o amor desespera,

porque é demonstração de um outro

infinito que não é seu

e é as muralhas do morto

e o castigo da nova ressurreição sem finais.

Os mortos odeiam o número dois,

mas o número dois adormece as mulheres

e como a mulher teme a luz

a luz treme frente aos galos e os galos

só sabem voar sobre a neve

teremos que pastar sem descanso

as ervas dos cemitérios.


FREDERICO GARCIA LORCA

DRUMMOND

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

DRUMMOND

SHAKESPEARE

Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.

William Shakespeare

CECÍLIA MEIRELLES

Numa noite de lua escreverei palavras,
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com as asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.

O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascera de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados
livre de pálpebras, e num país sem muros.

Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah,quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível

Cecília Meireles

MENOTTI DEL PICCHIA

Goza o vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas,tempo e vento,desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite,enche-o de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota,
como um pássaro,
as canções que tens na garganta.
Canta.
Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo ao céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.


Menotti del Picchia

FERNANDO PESSOA

UMA SÓ LUZ sombreia o cais.
Há um som de barco que vai indo.
Horror! Não nos vemos mais!
A maresia vem subindo.
E o cheiro prateado a mar morto
Cerra a atmosfera de pensar
Até tomar-se este como porto
E este cais a bruxulear

Um apeadeiro universal
Onde cada um 'spera isolado
Ao ruído - mar ou pinheiral? -
O expresso inútil atrasado.

E no desdobre da memória
O viajante indefinido
Ouve contar-se só a história
Do cais morto do barco ido.

FERNANDO PESSOA

GRIPENBERG

Voa, meu sonho, voa sobre as planícies geladas,
Voa sobre as árvores mortas do Inverno,
Paira sobre a lonjura das belas noites de estrelas,
Nunca pares, continua a voar cada vez mais.
Arde, minha saudade, como uma chama eterna,
Arde na escuridão onde tudo se apagou e foi há muito.
Eterna é esta saudade, é a vida, é a ousadia,
E o fogo que salta sobre o véu de cinzas.

Compreende que para quem nada conseguiu,
E junto à praia nunca repousou,
Não há morte para alta fogueira que ardeu,
Não há medida para as terras azuis da sua saudade.
O meu coração vive de saudade em saudade.
Sempre para desconhecida costa se volta –
A saudade de um poeta não obedece às leis do espaço,
A terra de sonhos não tem fronteiras.



(BERTEL GRIPENBERG)

CAROLINA SALCIDES

Do medo, eu teço mais coragem.
Um salto maior eu dou se me acorrentam.
Da dor da poda eu renasço inteira
Saio a melhor rosa da roseira.

Do cinza frio do asfalto
Do vermelho sangue nos olhos do bandido
Eu ergo minha bandeira ao alto: lilás e rosa.
Outra fada teria fugido...

Eu encanto, crio, expando.
Mesmo que minhas asas tremam
Mesmo que estejam amarradas
Eu vôo.
Mesmo que o medo açoite-me à noite
E a dúvida surja em seu caminho.

Do piloto automático eu fujo
Da venda nos olhos - que já são cegos...
Não quero a vibração das pedras
Quero a velocidade da luz.



(Carolina Salcides)

GOETHE

Poemas são vitrais pintados!

Se olharmos da praça para a igreja,

Tudo é escuro e sombrio:

e é assim que o Senhor Burguês os vê.

Mas, vamos! vinde cá prá dentro,

Saudai a sagrada capela!

De repente tudo é claro de cores:

Súbito brilham histórias e ornatos

Sente-se um presságio

neste esplendor nobre,

Edificai-vos, regalai os olhos!




(GOETHE)

FERNANDO PESSOA

Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

FERNANDO PESSOA

FERNANDO PESSOA

Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

FERNANDO PESSOA

MARIO BENEDETTI

Às vezes me sinto
como uma águia no ar
(de uma canção de Pablo Milanês)
outras vezes me sinto
como pobre colina
e outras como montanha
de picos repetidos
Algumas vezes me sinto
como um escarpado
e em outras como um céu
azul mais longe
as vezes sou
manancial entre pedras
e outras vezes uma árvore
com as últimas folhas
mas hoje me sinto apenas
como lagoa insone
como um porto
já sem embarcações
uma lagoa verde
imóvel e paciente
conformada com suas algas
seus musgos e seus peixes
sereno em minha confiança
acreditando que em uma tarde
te aproximes e te olhes
te olhes ao olhar-me.


(Mário Benedetti)

OCTAVIO PAZ

Entre ir e ficar duvida o dia,
enamorado de sua transparência.
A tarde circular é já baía:
em seu quieto vaivém se mexe o mundo.
Tudo é visível e tudo é efusivo,
tudo está perto e tudo é intocável.
Os papéis, o livro, o copo, o lápis
repousa à sombra de seus nomes.
Bater do tempo que em minha têmpora repete
a mesma teimosa sílaba de sangue.
A luz faz do muro indiferente
um espectral teatro de reflexos.
No centro de um olho me descubro;
não me olha, me olho em seu olhar.
Dissipa-se o instante. Sem me mover,
eu fico e me vou: sou uma pausa.


OTAVIO PAZ

PABLO NERUDA

Por que não nasci misterioso?
Por que cresci sem companhia?

Quem me mandou desvencilhar

As portas do meu próprio orgulho?

E quem saiu para viver por mim

Quando eu dormia ou adoecia?

Que bandeira se desatou

Ali onde não me esqueceram?



(PABLO NERUDA)

CECÍLIA MEIRELLES

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permita que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

Cecília Meireles

HADES PIERROT

Telescópio


Quis um telescópio...
Sem nunca tê-lo, me candidatei a sê-lo.
Desenho pedaços do céu, do meu jeito.
Quando uma estrela dá certo, dou certo...
Outras se aproximam aos brilhos, singelos,
Tão discretos,
Que nem parecem desabafos.


Hades Pierrot

SHAKESPEARE

Há quem diga que todas as noites são de sonhos,

mas há também quem garanta que nem todas as

noites, só as de verão.

No fundo, isto não tem importância.

O que interessa mesmo, não é a noite em si,

são os sonhos;

sonhos que o homem sonha sempre

em todos os lugares,em todas as épocas,

dormindo ou acordado.


( William Shakespeare )

NUNO JÚDICE

Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço
de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz (...) e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.


Nuno Júdice

MARIO QUINTANA

Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez
de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca…

Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês
uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.

E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!

Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos…)
Desce o crepúsculo

E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se
em todas as poças
d’água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!




Mário Quintana

GLACKENS

JOAQUIM SOROLLA

BOUGUEREAU