Só o combate nos apraz, mas não a vitória: gostamos de ver
os combates de animais, não o vencedor a encarniçar-se sobre
o vencido; que desejámos ver, senão o fim da vitória?
E logo que ela é alcançada, ficamos saciados.
Assim no jogo, assim na busca da verdade.
Gostamos de ver, nas disputas, a luta de opiniões; mas não de
contemplar a verdade encontrada: para a saudarmos gostosamente
temos de vê-la nascer da disputa. Do mesmo modo, nas paixões,
o que dá prazer é assistir ao combate de duas contrárias; mas
quando uma delas domina, tudo se reduz a brutalidade.
Nunca buscamos as coisas, mas sim a busca das coisas.
BLAISE PASCAL
LIVROS RELEVANTES
- A. Soljenish: Pavilhão de Cancerosos
- Baltasar Gracián: Arte da Prudência
- Charles Baudelaire: Flores do Mal
- Emile Zola: Germinal
- Erich Fromm: Medo à Liberdade
- Fernando Pessoa: O Livro do Desassossego
- Fiódor Dostoiévski: O Eterno Marido
- Franz Kafka: O Processo
- Friedrich Nietzsche: Assim Falou Zaratustra
- Friedrich Nietzsche: Humano, demasiado humano
- Fritjof Capra: O Ponto de Mutação
- Goethe: Fausto
- Goethe: Máximas e Reflexões
- Jean Baudrillard: Cool Memories III
- John Milton: Paraíso Perdido
- Júlio Cortázar: O Jogo da Amarelinha
- Luís Vaz de Camões: Sonetos
- Mario Quintana: Poesia Completa
- Michele Perrot: As Mulheres e os Silêncios da História
- Miguel de Cervantes: Dom Quixote de La Mancha
- Philip Roth: O Anjo Agonizante
- Platão: O Banquete
- Robert Greene: As 48 Leis do Poder
- Salman Rushdie: O Chão que ela pisa
- Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação
- Stendhal: Do Amor
- Sun Tsu: A Arte da Guerra
- William Faulkner: Luz em Agosto
- William Shakespeare: Hamlet
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
OSCAR WILDE
O MEDO DE NÓS MESMOS
Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse
forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a
cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de
energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época
medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo
mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso
homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem
sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida.
Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos
estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez,
e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação.
Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo
de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação
é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio
das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas
leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes
acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro,
e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.
OSCAR WILDE
Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse
forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a
cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de
energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época
medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo
mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso
homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem
sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida.
Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos
estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez,
e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação.
Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo
de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação
é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio
das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas
leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes
acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro,
e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.
OSCAR WILDE
ALDOUS HUXLEY
Deus existe, mas ao mesmo tempo Deus não existe.
O Universo é governado pelo acaso irracional e ao
mesmo tempo por uma providência com preocupações
éticas . O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas
também valioso e necessário. O Universo é um sádico
imbecil, mas também, simultaneamente, o mais
benevolente dos pais. Tudo é rigidamente
predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente
livre. O que é certo é que não há fuga da angústia e
da razão.
(ALDOUS HUXLEY)
O Universo é governado pelo acaso irracional e ao
mesmo tempo por uma providência com preocupações
éticas . O sofrimento é gratuito e sem sentido, mas
também valioso e necessário. O Universo é um sádico
imbecil, mas também, simultaneamente, o mais
benevolente dos pais. Tudo é rigidamente
predeterminado, porém o arbítrio é perfeitamente
livre. O que é certo é que não há fuga da angústia e
da razão.
(ALDOUS HUXLEY)
AUGUSTO DOS ANJOS
A IDÉIA
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...
Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica
Augusto dos Anjos
De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...
Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica
Augusto dos Anjos
ALBERTO CAEIRO
Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
ALBERTO CAEIRO
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
ALBERTO CAEIRO
JOSÉ LUIS PEIXOTO
Penso: talvez haja luz dentro dos homens, talvez uma
claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão,
talvez as certezas sejam uma aragem dentro ds homens e
talvez os homens sejam as certezas que possuem.
Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce
e talvez a gente não ande debaixo do céu, mas em cima
dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra
seja como um céu e quando a gente morre, quando a
gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu. Um
açude sem peixes, sem fundo, este céu.
JOSÉ LUÍS PEIXOTO
claridade, talvez os homens não sejam feitos de escuridão,
talvez as certezas sejam uma aragem dentro ds homens e
talvez os homens sejam as certezas que possuem.
Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce
e talvez a gente não ande debaixo do céu, mas em cima
dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra
seja como um céu e quando a gente morre, quando a
gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu. Um
açude sem peixes, sem fundo, este céu.
JOSÉ LUÍS PEIXOTO
O POETA
O poeta é um ser solitário, sensível e diferente, que se
torna cúmplice do processo através do qual a palavra
impera sobre o homem, e ao mesmo tempo em que
precisa ser por ele domada, conhecida, vencida.
O poema nasce do esforço de obter da palavra o
máximo de precisão, expressão e, ao mesmo tempo,
beleza, variedade e ritmo. O poema nasce dessa
relação de ambiguidade. Para o poeta a palavra
deve ser deusa e serva. O poeta é também um
indagador do sentido da vida e através da sua
poesia pode favorecer a abertura do espírito e
da razão para os clarões das fugidias verdades.
O poeta é por isso o ser que estranha; e seu
estranhar o mundo, as coisas e o homem, determina
uma forma de humor, às vezes amargo, ora metafísico
ou filosófico, que reflete a percepção sempre vacilante
do mistério e a apreensão sempre imperfeita da
exatidão das palavras.
(Arthur da Távola)
torna cúmplice do processo através do qual a palavra
impera sobre o homem, e ao mesmo tempo em que
precisa ser por ele domada, conhecida, vencida.
O poema nasce do esforço de obter da palavra o
máximo de precisão, expressão e, ao mesmo tempo,
beleza, variedade e ritmo. O poema nasce dessa
relação de ambiguidade. Para o poeta a palavra
deve ser deusa e serva. O poeta é também um
indagador do sentido da vida e através da sua
poesia pode favorecer a abertura do espírito e
da razão para os clarões das fugidias verdades.
O poeta é por isso o ser que estranha; e seu
estranhar o mundo, as coisas e o homem, determina
uma forma de humor, às vezes amargo, ora metafísico
ou filosófico, que reflete a percepção sempre vacilante
do mistério e a apreensão sempre imperfeita da
exatidão das palavras.
(Arthur da Távola)
HENRY THOREAU
Começai por ser bons...
Não é dever do homem na realidade devotar-se a extirpar o mal,
por grande que este seja; ele pode se preocupar decentemente
com outras
coisas; porém é seu dever, pelo menos não ficar alheio às injustiças
e não só
pensar a respeito delas, como ainda não as apoiar na prática.
Não vim ao mundo principalmente para torná-lo um lugar bom
para se viver,
mas para viver nele,
bem ou mal. O homem não tem que fazer tudo, mas
apenas alguma coisa; e por não poder fazer TUDO,
não é necessário que
faça mal ALGUMA COISA."
HENRY THOREAU
Não é dever do homem na realidade devotar-se a extirpar o mal,
por grande que este seja; ele pode se preocupar decentemente
com outras
coisas; porém é seu dever, pelo menos não ficar alheio às injustiças
e não só
pensar a respeito delas, como ainda não as apoiar na prática.
Não vim ao mundo principalmente para torná-lo um lugar bom
para se viver,
mas para viver nele,
bem ou mal. O homem não tem que fazer tudo, mas
apenas alguma coisa; e por não poder fazer TUDO,
não é necessário que
faça mal ALGUMA COISA."
HENRY THOREAU
JORGE LUIS BORGES
Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos
dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte
o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar
uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma
tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em
primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus
olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são
particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama
de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que
seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se
tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus
erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me.
O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta.
A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar
que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança,
que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco
sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo;
que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que
viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez
a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o
esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas
sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses
desígnios, que não nos serão revelados.
Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro,
meu corpo.
JORGE LUIS BORGES
dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte
o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar
uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma
tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em
primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus
olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são
particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama
de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que
seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se
tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus
erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me.
O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta.
A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar
que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança,
que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco
sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo;
que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que
viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez
a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o
esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas
sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses
desígnios, que não nos serão revelados.
Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro,
meu corpo.
JORGE LUIS BORGES
CECÍLIA MEIRELLES
Quando penso em você
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa,
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Já me traz contentamento
Pode ser até manhã,
Cedo claro feito dia
Mas nada do que me dizem
Me faz sentir alegria
Eu só queria ter no mato
Um gosto de framboesa
Prá correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
Que eu ainda sou bem moço
Prá tanta tristeza
E deixemos de coisa,
Cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida.
CECÍLIA MEIRELLES
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa,
Menos a felicidade
Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Já me traz contentamento
Pode ser até manhã,
Cedo claro feito dia
Mas nada do que me dizem
Me faz sentir alegria
Eu só queria ter no mato
Um gosto de framboesa
Prá correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
Que eu ainda sou bem moço
Prá tanta tristeza
E deixemos de coisa,
Cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida.
CECÍLIA MEIRELLES
SCHOPENHAUER
É apenas a experiência que nos ensina quanto o caráter dos homens
é pouco flexível, e durante muito tempo, como as crianças pensamos
poder, através de sensatas representações, através da prece e da ameaça,
através do exemplo, através dum apelo à generosidade, levar os homens
a deixarem a sua maneira de ser, a mudarem a sua conduta e a desistirem
da sua opinião, a aumentar a sua capacidade; o mesmo se passa quanto à
nossa própria pessoa. É preciso que as experiências venham ensinar-nos
o que queremos, o que podemos: até essa altura ignorámo-lo, não temos
caráter; e é preciso mais do que uma vez que rudes fracassos venham
relançar-nos na nossa verdadeira via. - Enfim, aprendemo-lo, e chegamos
a ter aquilo que o mundo chama carácter, isto é o caráter adquirido.
Aí existe, portanto, apenas um conhecimento, o mais perfeito possível da
nossa própria individualidade: é uma noção abstrata, e por consequência
clara das qualidades imutáveis do nosso caráter empírico, do grau e da
direção das nossas forças, tanto espirituais como corporais, em suma,
do forte e do fraco em toda a nossa individualidade.
Arthur Schopenhauer - 'O Mundo como Vontade e Representação'
é pouco flexível, e durante muito tempo, como as crianças pensamos
poder, através de sensatas representações, através da prece e da ameaça,
através do exemplo, através dum apelo à generosidade, levar os homens
a deixarem a sua maneira de ser, a mudarem a sua conduta e a desistirem
da sua opinião, a aumentar a sua capacidade; o mesmo se passa quanto à
nossa própria pessoa. É preciso que as experiências venham ensinar-nos
o que queremos, o que podemos: até essa altura ignorámo-lo, não temos
caráter; e é preciso mais do que uma vez que rudes fracassos venham
relançar-nos na nossa verdadeira via. - Enfim, aprendemo-lo, e chegamos
a ter aquilo que o mundo chama carácter, isto é o caráter adquirido.
Aí existe, portanto, apenas um conhecimento, o mais perfeito possível da
nossa própria individualidade: é uma noção abstrata, e por consequência
clara das qualidades imutáveis do nosso caráter empírico, do grau e da
direção das nossas forças, tanto espirituais como corporais, em suma,
do forte e do fraco em toda a nossa individualidade.
Arthur Schopenhauer - 'O Mundo como Vontade e Representação'
JORGE LUIS BORGES
Nunca haverá uma porta. Estás cá dentro
E a fortaleza abarca o universo
E não possui anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor do teu caminho
Que obstinado se bifurca noutro,
Tenha fim. É de ferro o teu destino
Como o juiz. Não esperes a investida
Do touro que é um homem, cuja estranha
Forma plural dá horror à maranha
De interminável pedra entretecida.
Não existe evasão. Nada te espera.
Nem no negro crepúsculo a fera.
Jorge Luis Borges
E a fortaleza abarca o universo
E não possui anverso nem reverso
Nem externo muro nem secreto centro.
Não esperes que o rigor do teu caminho
Que obstinado se bifurca noutro,
Tenha fim. É de ferro o teu destino
Como o juiz. Não esperes a investida
Do touro que é um homem, cuja estranha
Forma plural dá horror à maranha
De interminável pedra entretecida.
Não existe evasão. Nada te espera.
Nem no negro crepúsculo a fera.
Jorge Luis Borges
EMERSON
O que me importa unicamente é o que tenho de fazer, não o que
pensam os outros. Esta regra, igualmente árdua na vida imediata
como na intelectual, pode servir para a distinção total entre a
grandeza e a baixeza. E é tanto mais dura quanto sempre se
encontrarão pessoas que acreditam saber melhor do que tu qual
é o teu dever. É fácil viver no mundo de conformidade com a opinião
das gentes; é fácil viver de acordo consigo próprio na solidão;
mas o grande homem é aquele que, no meio da turba, mantém,
com perfeita serenidade, a independência da solidão.
EMERSON
pensam os outros. Esta regra, igualmente árdua na vida imediata
como na intelectual, pode servir para a distinção total entre a
grandeza e a baixeza. E é tanto mais dura quanto sempre se
encontrarão pessoas que acreditam saber melhor do que tu qual
é o teu dever. É fácil viver no mundo de conformidade com a opinião
das gentes; é fácil viver de acordo consigo próprio na solidão;
mas o grande homem é aquele que, no meio da turba, mantém,
com perfeita serenidade, a independência da solidão.
EMERSON
DOSTOIÉVSKI
Desde que nos propomos emitir uma verdade de acordo com as
nossas convicções damos logo a impressão de fazer retórica.
Que espécie de prestidigitação vem a ser essa? Como é que nos nossos
dias não poucas verdades, proferidas que sejam, por vezes, mesmo em
tom patético, imediatamente ganham aspectos retóricos? Porquê é que
na nossa época cada vez há mais necessidade, quando pretendemos
dizer a verdade, de recorrer ao humor, à ironia, à sátira? Porquê adoçar a
verdade como se se tratasse de uma pílula amarga? Porquê envolver as
nossas convicções num misto de altiva indiferença, digamos, de desprezo
para com o público? Numa palavra, porquê certo ar de pícara condescendência?
Em nossa opinião, o homem de bem não tem de envergonhar-se das suas
convicções, ainda mesmo que estas transpareçam sob a forma retórica,
sobretudo se está certo delas.
Fiodor Dostoievski - "Diário de um Escritor"
nossas convicções damos logo a impressão de fazer retórica.
Que espécie de prestidigitação vem a ser essa? Como é que nos nossos
dias não poucas verdades, proferidas que sejam, por vezes, mesmo em
tom patético, imediatamente ganham aspectos retóricos? Porquê é que
na nossa época cada vez há mais necessidade, quando pretendemos
dizer a verdade, de recorrer ao humor, à ironia, à sátira? Porquê adoçar a
verdade como se se tratasse de uma pílula amarga? Porquê envolver as
nossas convicções num misto de altiva indiferença, digamos, de desprezo
para com o público? Numa palavra, porquê certo ar de pícara condescendência?
Em nossa opinião, o homem de bem não tem de envergonhar-se das suas
convicções, ainda mesmo que estas transpareçam sob a forma retórica,
sobretudo se está certo delas.
Fiodor Dostoievski - "Diário de um Escritor"
ALICE RUIZ
por favor
não me aperte tanto assim
tenha cuidado, pega leve
olha onde pisa
isso é meu coração
meu ganha-pão
instrumento de trabalho,
meio de vida, profissão
meu arroz com feijão
meu passaporte
para qualquer parte
para qualquer arte
não machuque esse meu coração
preciso dele
para me levar a Marte
sem sair do chão
não me aperte
não machuque
tome cuidado
eu vivo disso
poesia, sonhos
e outras canções
sem emoção
morro de fome
sinto muito
mas não há nada
que eu possa fazer
sem coração
Alice Ruiz
não me aperte tanto assim
tenha cuidado, pega leve
olha onde pisa
isso é meu coração
meu ganha-pão
instrumento de trabalho,
meio de vida, profissão
meu arroz com feijão
meu passaporte
para qualquer parte
para qualquer arte
não machuque esse meu coração
preciso dele
para me levar a Marte
sem sair do chão
não me aperte
não machuque
tome cuidado
eu vivo disso
poesia, sonhos
e outras canções
sem emoção
morro de fome
sinto muito
mas não há nada
que eu possa fazer
sem coração
Alice Ruiz
JORGE DE SENA
Não teimes, não insistas, não repitas,
mas vive como quem, teimando, insiste,
e, porque insiste, como que repete.
Esse das sombras o silêncio fluido
escoando-se por ti quando não passas,
parado que ouves, não mais é que o tempo
de hoje em que vives só alheias vidas,
de ti alheadas qual de ti vividas.
Por outro tempo te criaste impuro,
difuso e firme, no clamor de versos
que os tempos de hoje reconstroem como
delidas cartas um fogacho acendem.
Outro que seja, é teu, pois o escutaste
na dor de apenas ser, na dor de ouvir
quão desatentos menos homens são
os homens todos. Teu, sem que teu seja,
que destes e dos outros se fará
serena ciência de possuírem tudo
o que juntares para ser roubado,
quando, parado no silêncio fluido,
se escoava nele o próprio estar na vida,
atento como estavas, poeta como eras
daquele ser não-sendo que eram todos
em ti, dentro de ti, à tua volta.
JORGE DE SENA
mas vive como quem, teimando, insiste,
e, porque insiste, como que repete.
Esse das sombras o silêncio fluido
escoando-se por ti quando não passas,
parado que ouves, não mais é que o tempo
de hoje em que vives só alheias vidas,
de ti alheadas qual de ti vividas.
Por outro tempo te criaste impuro,
difuso e firme, no clamor de versos
que os tempos de hoje reconstroem como
delidas cartas um fogacho acendem.
Outro que seja, é teu, pois o escutaste
na dor de apenas ser, na dor de ouvir
quão desatentos menos homens são
os homens todos. Teu, sem que teu seja,
que destes e dos outros se fará
serena ciência de possuírem tudo
o que juntares para ser roubado,
quando, parado no silêncio fluido,
se escoava nele o próprio estar na vida,
atento como estavas, poeta como eras
daquele ser não-sendo que eram todos
em ti, dentro de ti, à tua volta.
JORGE DE SENA
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