O dia está cheio de palavras.
Elas escorrem como a água das sarjetas ou a saliva da boca
dos demagogos.
Espalham-se no chão como as folhas de um outono excessivo.
Transbordam das lixeiras junto com as latas de coca-cola e
restos de comida.
São piolhos que avançam na selva da tarde.
Ninguém pode viver sem as palavras.
Isto explica o desconforto dos passageiros do metro.
Condenados a um silêncio temporário
eles se entreolham suspeitosamente na plataforma da estação
e estremecem quando as portas do trem se fecham.
Embalados pelos solavancos de um viagem sem paisagem
ouvem os vagões rangerem nos trilhos taciturnos
na escuridão que sustenta o clamor da cidade.
É o que sobra do rumor do mundo.
Mas eles querem o instante
em que, devolvidos ao dia loquaz, voltarão a falar.
Ledo Ivo
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