WATLER CRANE

JEAN LEON GEROME

JEAN LEON GEROME

LIVROS RELEVANTES

  • A. Soljenish: Pavilhão de Cancerosos
  • Baltasar Gracián: Arte da Prudência
  • Charles Baudelaire: Flores do Mal
  • Emile Zola: Germinal
  • Erich Fromm: Medo à Liberdade
  • Fernando Pessoa: O Livro do Desassossego
  • Fiódor Dostoiévski: O Eterno Marido
  • Franz Kafka: O Processo
  • Friedrich Nietzsche: Assim Falou Zaratustra
  • Friedrich Nietzsche: Humano, demasiado humano
  • Fritjof Capra: O Ponto de Mutação
  • Goethe: Fausto
  • Goethe: Máximas e Reflexões
  • Jean Baudrillard: Cool Memories III
  • John Milton: Paraíso Perdido
  • Júlio Cortázar: O Jogo da Amarelinha
  • Luís Vaz de Camões: Sonetos
  • Mario Quintana: Poesia Completa
  • Michele Perrot: As Mulheres e os Silêncios da História
  • Miguel de Cervantes: Dom Quixote de La Mancha
  • Philip Roth: O Anjo Agonizante
  • Platão: O Banquete
  • Robert Greene: As 48 Leis do Poder
  • Salman Rushdie: O Chão que ela pisa
  • Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação
  • Stendhal: Do Amor
  • Sun Tsu: A Arte da Guerra
  • William Faulkner: Luz em Agosto
  • William Shakespeare: Hamlet

EDVARD MUNCH

JEAN PERRAULT

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

PABLO NERUDA

Os anos vão passando e já ninguém me espera
e assim passam também os meses e os dias,
eu não me canso de esperar...
mas os três loucos tristes nada de regressar
caminhando na terra e esperando no mar.

Eu te espero e te busco desde o primeiro dia,
porque faz tempo que te espero
e aquele conto dizia...

Andando, andando, andando os anos se passaram.
E passaram-se os meses, passaram-se os dias.
Meus dois irmãos morreram em países estranhos,
mortos sem riqueza e sem a sabedoria.

Porém,
sigo te procurando como nos velhos dias,
porque faz tempo que te espero
e aquele conto dizia...

PABLO NERUDA

EUGÊNIO DE ANDRADE

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

EUGÊNIO DE ANDRADE

HERBERTO HELDER

"difícil viver entre a falsa inteligência alheia.

Antes ser absolutamente ininteligível perante

uma ininteligência senhora de si do que ser

devorado pelas partes que os outros escolhem,

em puro abuso, para satisfação da própria

inteligibilidade, deles, estrangeiros."




HERBERTO HELDER

JOHN DONNE

Nenhum homem é uma ilha inteiramente

isolado; todo homem é um pedaço de um

continente, uma parte de um todo... a morte

de qualquer homem me diminui, porque sou

parte do gênero humano. E por isso não

perguntai: Por quem os sinos dobram;

eles dobram por vós.


(JOHN DONNE)

V. DE MORAES

Beleza tem que ser completa…



…senão é como amar uma mulher só linda; e daí?
Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza
Qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado,
Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher,
Feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor
E para ser só perdão.





(Vinicius de Moraes)

terça-feira, 27 de novembro de 2007

FERNANDO PESSOA

Não me venhais com conclusões!

A única conclusão é morrer.

Não me tragais estéticas!

Não me faleis de moral!

Tirai-me daqui a metafísica!

Não me pregueis sistemas completos,

Não me jogueis conquistas das ciências

- Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos !

Se tiverdes a verdade, guardai-a!

Sou um técnico, mas só tenho técnica

Dentro da técnica.

Afora isso sou louco,

Com todo o direito de sê-lo.


FERNANDO PESSOA

JOHN KEATS

O poeta faz-se vidente por um longo, imenso

e total desarranjo de todos os sentidos.

Para poder adquirir as mais belas imagens,

tem que abrir portas de comunicação em todos

os sentidos. Nenhum cego de nascença pode

ser um poeta plástico, com imagens objetivas,

porque não tem idéia das proporções da Natureza.

O cego está melhor no campo de luz sem limites

da Mística, isento de objetos reais e atravessado

por longas buscas de sabedoria.


JOHN KEATS

MARIA TERESA HORTA

Demoramos depois
de cada passo
cada palavra que temos
na garganta

Cada cidade
ou mesmo cada lágrima

Demoramos depois
de cada largo
um só jardim nos olhos
que não espanta

E um candeiro calado
em cada canto?

e o vento selado
sobre os ombros?

Como a saudade marcada na garganta
e os dedos fincados sobre o sono

E cada hora em cada passo
dado?

E todo o medo transformado em raiva
e toda a dor nos olhos
só em água?

Não não é apenas
aquilo que pensamos
que nos devora enquanto
demoramos


Maria Teresa Horta

ALBERTO CAEIRO

Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor-
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.


( ALBERTO CAEIRO )

OSCAR WILDE

Disse que dançaria comigo se eu
lhe trouxesse rosas vermelhas.

Mas em todo o meu jardim

não há uma sequer.

Ah! a felicidade depende

de coisas tão pequenas!

Li tudo o que escreveram os sábios,

detenho todos os segredos da filosofia

E, no entanto, devido à falta

duma rosa vermelha,

minha vida torna-se desventurada.



OSCAR WILDE

MARIO QUINTANA

Triste encanto das tardes borralheiras

Que enchem de cinza o coração da gente!

A tarde lembra um passarinho doente

A pipilar os pingos das goteiras...

A tarde pobre fica, horas inteiras,

A espiar pelas vidraças, tristemente,

O crepitar das brasas na lareira...

Meu Deus... o frio que a pobrezinha sente!

Por que é que esses Arcanjos neurastênicos

Só usam névoa em seus efeitos cênicos?

Nenhum azul para te distraíres...

Ah, se eu pudesse, tardezinha pobre,

Eu pintava trezentos arco-íris

Nesse tristonho céu que nos encobre!...


MARIO QUINTANA

ÁLVARES DE AZEVEDO

Anjos do Céu


As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhados de luz...
São anjos que dormem, a rir e sonhar
E em leito d'escuma revolvem-se nus!
E quando de noite vem pálida a lua
Seus raios incertos tremer, pratear,
E a trança luzente da nuvem flutua,
As ondas são anjos que dormem no mar!
Que dormem, que sonham- e o vento dos céus
Vem tépido à noite nos seios beijar!
São meigos anjinhos, são filhos de Deus,
Que ao fresco se embalam do seio do mar!
E quando nas águas os ventos suspiram,
São puros fervores de ventos e mar:
São beijos que queimam... e as noites deliram,
E os pobres anjinhos estão a chorar!
Ai! quando tu sentes dos mares na flor
Os ventos e vagas gemer, palpitar,
Por que não consentes, num beijo de amor
Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar?



(Álvares de Azevedo)

ANTONIO BRASILEIRO

A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem
passando.

E uma nuvem passando
ensina-nos mais coisas que cem pássaros
mil livros um milhão de homens.

A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem.
Passando.



(ANTONIO BRASILEIRO)

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

CECÍLIA MEIRELLES

... Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo ...


CECÍLIA MEIRELLES

ELSE SANT'ANNA BRUM

Se tu pudesses, mar, se tu pudesses
Levar-me contigo para onde vais,
Sem em tuas ondas me quisesses,
Eu iria pra não voltar jamais!

Penso que além de ti, na solidão,
Haverá refrigério para a alma,
E este meu triste e pobre coração
Terá um pouco de alegria e calma.

Porque talvez, além de ti, ó mar,
Não exista ninguém aqui da terra
Nem possibilidade de amar.

Leva-me, é o que te peço em minhas preces
Pois uma triste história a minha vida encerra.
Levar-me, ó mar amigo, se pudesses!

Else Sant’Anna Brum

CHRISTOPHER MARLOWE

A própria Natureza, ao nos forjar

De seus quatro elementos, que disputam

Em nosso peito pela primazia,

Ensina-nos às mentes a sonhar:

Nossas almas, capazes de entrever

Do mundo a fabulosa arquitetura,

E de medir o curso dos planetas,

Em busca de um saber que é infinito,

Inquietas, como a dança das esferas,

Exigem que lutemos, sem descanso,

Até atingir o fruto mais perfeito -

Felicidade única e sem jaça -

O gozo do poder aqui na Terra.


(CHRISTOPHER MARLOWE)

GARCIA LORCA

Não poderei queixar-me

Se não encontrei o que buscava.

Porém irei na primeira paisagem

De umidades e latejos

Para entender que o que busco

Terá seu momento de alegria

Quando eu retorne mesclado

Com o amor e as areias.



(GARCIA LORCA)

JOÃO COSTA FILHO

Deixa que o mundo
se exploda,
que tuas narinas
exalem fogo,
que o fígado sofra cirroses.
Deixa que a terra trema,
que o mar balance
em ninar,
que teu coração chore
montanhas.
Deixa tuas metáforas
rubras de silêncio
e os segredos só teus.
Deixa a dor dormir
em teu peito
e não traduzas no rosto
tua agonia.
Pisa a terra fria,
bem em cima de tuas mágoas,
e cala, sempre cala.
Se tua dor a ninguém pertence...


JOÃO COSTA FILHO

CRUZ E SOUZA

O ASSINALADO

Tu és o Louco da imortal loucura,
o louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
faz que tu'alma suplicando gema
e rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco.

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!


CRUZ E SOUZA

NERUDA

Há algo mais triste no mundo

Que um trem imóvel na chuva?

A quem posso perguntar

O que fazer neste mundo?

Por que me movo sem querer,

Por que não posso estar imóvel?

Por que vou rodando sem rodas,

Voando sem asas nem plumas?


(PABLO NERUDA)

ABGAR RENAULT

O que eu perdi não foi um sonho bom,
não foi o fruto a embebedar meus lábios,
não foi uma canção de raro som,
nem a graça de alguns momentos sábios.
O que eu perdi, como quem perde uma outra infância,
foi o sentido do enternecimento,
foi a felicidade da ignorância, foi, em verdade,
na minha carne e no meu pensamento,
a última rubra flor do fim da mocidade.
E dói - não esse gesto ausente, a que se apagam
as flores mais solares, mas uma hora,
- flor de momento numa breve aurora -
hora longínqua, esquiva e para sempre morta,
em cuja escura, inacessível porta
noturnos olhos cegamente vagam.



ABGAR RENAULT

HERBERTO HELDER

Fora existe o mundo.
Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.



HERBERTO HELDER

OCTAVIO PAZ

Cresceu em minha fronte uma árvore.
Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos suas ramas,
Sua confusa folhagem pensamentos.
Teus olhares a acendem
e seus frutos de sombras
são laranjas de sangue,
são granadas de luz.
Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, em minha fronte,
a árvore fala.
Aproxima-te. Ouves?




OCTAVIO PAZ

T.S.ELIOT

... Porque sei que o tempo é sempre o tempo

E que o espaço é sempre o espaço

E que o real somente é dentro de um tempo

E apenas para o espaço que o contém

Alegro-me de serem as coisas

O que são

E renuncio à face abençoada

E renuncio à voz

Porque esperar não posso mais

E assim me alegro, por ter de

Edificar alguma coisa

De que possa depois rejubilar.


( T. S. ELIOT )

CARLOS NEJAR

Há de saber: o que resta

No que é incerto e verdadeiro.

Costumes mudam afetos,

Afetos mudam costumes.

A noite não tem mais lume,

Não têm lume os objetos.

E a morte é provado vinho,

Entre a choupana e o palácio.

Para os felizes, abraços.

E no infortúnio, sozinhos.


CARLOS NEJAR

EMÍLIO MOURA

Como a noite descesse...

Como a noite descesse e eu me sentisse só, só e desesperado diante dos

horizontes que se fechavam

gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível Aurora! e vi logo

só as estrelas é que me entenderiam.

Era preciso esperar que o próprio passado desaparecesse,

ou então voltar à infância.

Onde, entretanto, quem me dissesse

ao coração trêmulo:

- É por aqui!

Onde, entretanto, quem me dissesse

ao espírito cego:

- Renasceste: liberta-te!

Se eu estava só, só e desesperado,

por que gritar tão alto?

Por que não dizer baixinho, como quem reza:

- Ó doce e incorruptível Aurora...

se só as estrelas é que me entenderiam?


EMÍLIO MOURA

CAMÕES

A DOR QUE MINHA ALMA SENTE...


A dor que minha alma sente... Não a saiba toda gente...

Que estranho caso de amor... Que desejado tormento...

Que venho a ser avarento, das dores da minha dor!

Por me não tratar pior, se se sabe ou se se sente, não a digo a toda gente!

Minha dor e a causa dela, A ninguém ouso fiar,


Que seria aventurar, a perder-me ou perde-la,

pois só em padece-la a minha alma esta contente.

Viva no peito escondida... Dentro da alma sepultada...

De mim só seja chorada...

De ninguém seja sentida... Ou me mate...ou me dê vida...

Ou viva eu triste ou contente, não quero que o saiba a gente!


CAMÕES

PABLO NERUDA

Não tenho nunca mais, não tenho sempre.
Na areia a vitória deixou seus pés perdidos.

Sou um pobre homem disposto

a amar seus semelhantes.

Não sei quem tu és. Te amo.

Não dou, não vendo espinhos.

Alguém saberá talvez

que não teci coroas sangrentas,

que combati o engano,

e que em verdade enchi

o preamar de minha alma.

Eu paguei a vileza com pombas.

(...)


(PABLO NERUDA)

terça-feira, 23 de outubro de 2007

FERNANDO PESSOA

Se tudo o que há é mentira
É mentira tudo o que há.
De nada nada se tira,
A nada nada se dá.

Se tanto faz que eu suponha
Uma coisa ou não com fé,
Suponho-a se ela é risonha,
Se não é, suponho que é.

Que o grande jeito da vida
É pôr a vida com jeito.
Fana a rosa não colhida
Como a rosa posta ao peito.

Mais vale é o mais valer,
Que o resto ortigas o cobrem
E só se cumpra o dever
Para que as palavras sobrem.


Fernando Pessoa

JOHN DONNE

Embora eu tenha de partir, eu te asseguro
Que em nossas almas não haverá separação.
Elas são uma, e, assim como bloco de ouro
Que é distendido em folha, juntas ficarão.

Ou se elas são duas, serão duas apenas
Como duas, as hastes gêmeas de um compasso:
Tu és a haste fixa, mas moves-te em verdade
Todas as vezes que a outra alma avança um passo.

E, enquanto a outra lã bem longe circunvaga,
Essa em seu centro, p'ra ela inclina-se depressa,
Solícita; e só se ergue de novo ereta
Quando a outra haste de sua viagem regressa.

Assim és tu p'ra mim, que, como a haste oblíqua,
Obliquamente vago distante de ti;
Tua permanência faz perfeitos meus circuitos
E ajuda-me a voltar ao ponto de que parti.

John Donne

MILAGRE - F. CAMPANELLA

MILAGRE


Eu caminhava entre árvores
E espremia nos dedos
O mudo cipreste, roçando
um acridoce olfato
Ao silêncio de meu nariz.
Ali entre cúmplices imagens,
Onde o vento me sabe
E o sem- fundo do lago me diz,
No frescor do mais contido sumo,
Cheirei a poesia, assim do nada,
E caminhei sobre as águas,
O naufrágio por um triz.


(F. Campanella)

CARLOS NEJAR

... quem não sabe imaginar não sabe ver... e o que é mágico

desarruma a lógica. Se os homens calam, falarão pedras.

Se as pedras calam, falarão bichos. Ou então todas as

coisas falarão na sua hora de viagem. O maravilhoso da

palavra é que pertence a quem a toma. Não somos tão

celestes, mas a humanidade é tudo que nos adota.

Sem ser fábula, fabulamos...


(Carlos Nejar)

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

ÁLVARO DE CAMPOS

(...) Minha dor é velha

Como um frasco de essência

Cheio de pó.

Minha dor é inútil

Como uma gaiola numa terra

Onde não há aves,

Como a parte da praia

Onde o mar não chega.

(...) Dá-me rosas, rosas,

E lírios também...

Mas por mais rosas e lírios que me dês,

Eu nunca acharei que a vida é bastante.

Faltar-me-á sempre qualquer coisa,

Sobrar-me-á sempre que desejar,

Como um palco deserto.



(ÁLVARO DE CAMPOS)

PAUL CELAN

Da mão o outono me come sua folha: somos amigos.
Descascamos o tempo das nozes e o ensinamos a andar:
o tempo retorna à casca.

No espelho é domingo,
no sonho se dorme,
a boca não mente.

Meu olho desce ao sexo da amada:
olhamo-nos,
dizemo-nos o obscuro,
amamo-nos como ópio e memória,
dormimos como vinho nas conchas,
como o mar no raio sangrento da lua.

Entrelaçados à janela, olham-nos da rua:
já é tempo de saber!
Tempo da pedra dispor-se a florescer,
de um coração palpitar pelo inquieto,

É tempo do tempo ser.. É tempo.

(Paul Celan)

PABLO NERUDA

Para meu coração teu peito basta,
para que sejas livre, minhas asas.
De minha boca chegará até o céu
o que era adormecido na tua alma.

Mora em ti a ilusão de cada dia
e chegas como o aljôfar às corolas.
Escavas o horizonte com tua ausência,
eternamente em fuga como as ondas.

Eu disse que cantavas entre vento
como os pinheiros cantam, e os mastros
Tu és como eles alta e taciturna.
Tens a pronta tristeza de uma viagem.
Acolhedora como um caminho antigo,
povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Despertei e por vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam em tua alma.

(Pablo Neruda)

O RIO

O Rio

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refletí-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.

(Manuel Bandeira)

NO CAMINHO COM MAIAKÓVISKY

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores
matam nosso cão
e não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa
rouba-nos a luz, e
conhecendo nosso medo
arranca-nos a voz dagarganta
E já não podemos dizer nada.

EDUARDO ALVES DA COSTA

CLARICE LISPECTOR

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.

É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco. Não demais:
mas pelo menos entender que não entendo.

CLARICE LISPECTOR

EU NÃO POSSO..

Eu não posso colecionar selos
Eu não posso colecionar fotos de mulheres
Eu não posso colecionar namoros
nem sabedoria
eu já não posso nada mais
eu já não posso nada mais
Porque não apago a luz
e não vou pra cama
Eu quero provar
estar nú
pelado quem sabe sim púrpura gelada
e palidez
Não é assim o próprio princípio principiante
Eu não quero saber nada
eu não quero perguntar
porque
eu não me tornei um colecionador de selos
Eu começarei por dar meu fracasso
Eu começarei por dar minha falência
Eu me darei um pobre despedaço de terra
uma terra pisoteada
uma terra de urzes
uma cidade ocupada
Eu quero estar nu
e começar

(Paul Van Ostaijen)

MANUEL BANDEIRA

Foi para vós que ontem colhi, senhora,
Este ramo de flores que ora envio.
Não no houvesse colhido e o vento e o fio
Tê-las-iam crestado antes da aurora.

Meditai nesse exemplo, que se agora
Não sei mais do que o vosso outro macio
Rosto nem boca de melhor feitio,
A tudo a idade altera sem demora.

Senhora, o tempo foge... e o tempo foge...
Com pouco morreremos e amanhã
Já não seremos o que somos hoje...

Por que é que o vosso coração hesita?
O tempo foge... A vida é breve e é vã...
Por isso, amai-me... enquanto sois bonita.

MANUEL BANDEIRA

AINDA QUERO...

Ainda quero
o beijo e a pausa,
na ponta da língua
o gosto da palavra
e o silêncio da vontade...
Ainda quero
a mão e a carne,
na ponta do dedo
o mel do desejo
e o sal da saudade...
Ainda quero
o impossível e o fato,
o amor no improvável quarto,
o sempre, apesar do limite,
o tudo, apesar de tudo,
ou o pouco que a vida permite...



Maria Borges

terça-feira, 11 de setembro de 2007

OMAR KHAYYAM

Ao cambaleares sob o peso

Da dor, ao secarem-te as lágrimas,

Pensa nas folhas da relva

Que cintilam depois da chuva.

Quando te exaspera o esplendor

Do dia e desejas que a noite

Baixe definitiva, pensa

No despertar de uma criança.



(OMAR KHAYYAM)

FERNANDO PESSOA

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma,

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.


FERNANDO PESSOA

CRUZ E SOUZA

Foi num momento de saudade e tédio,

de grande tédio, e singular Saudade,

que o Diabo, já das culpas sem remédio,

para formar a egrégia majestade,

gerou, da poeira quente das areias

das praias infinitas do Desejo,

essa langue sereia das sereias,

desencantada com o calor de um beijo.

Formou a flor de encantos esquisitos

e de essências esdrúxulas e finas,

pondo nela oscilantes infinitos

de vaidades e graças femininas.

Para haver mais requinte e haver mais vida,

doce beleza e original carícia,

deu-lhe uns toques ligeiros de ave esquiva

e uma auréola de malícia.

E deu-lhe a quintessência dos aromas,

sonoras harpas de almas, extravagâncias,

pureza hostial e púbere de pomas,

toda a melancolia das distâncias...

Mas hoje o Diabo já senil, já fóssil,

da sua Criação desiludido,

perdida a antiga ingenuidade dócil,

chora um pranto noturno de Vencido!


(CRUZ E SOUZA)

CECILIA MEIRELES

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.



(CECÍLIA MEIRELES)

EDUARDO ALVES DA COSTA

Entre as folhas de um velho livro

assim permanecemos;

e olhos distraídos perpassam

sem nos ler.

Faz-nos tristes o não participarmos,

qual, no silêncio da noite,

a melodia inutilmente prolongada

para quem adormeceu a escutá-la.

E, contudo, é a presença não sabida,

só por isso, menos que ela mesma?


(EDUARDO ALVES DA COSTA)

CHARLES BAUDELAIRE

A Natureza é um templo onde pilastras vivas

Emitem às vezes palavras confusas;

O homem aí passa, através de florestas

De símbolos que o observam

Com olhares familiares.

Como longos ecos que de longe

Se confundem

Numa tenebrosa e profunda unidade,

Vasto como a noite e como a claridade

Os perfumes, as cores

E os sons respondem.


(CHARLES BAUDELAIRE)

UNGARETTI

No suave abrir-se de um sorriso

Nos sentimos entrelaçados

Por um redemoinho de desejo...

Cerramos os olhos

Para ver nadar num lago

Promessas infinitas

Aqui voltamos para marcar

A terra com este corpo

Que hoje tanto nos pesa


(GIUSEPPE UNGARETTI)

CECILIA MEIRELES

Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.


Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.


Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.



CECILIA MEIRELES

PABLO NERUDA

Para meu coração teu peito basta,
para que sejas livre, minhas asas.
De minha boca chegará até o céu
o que era adormecido na tua alma.

Mora em ti a ilusão de cada dia
e chegas como o aljôfar às corolas.
Escavas o horizonte com tua ausência,
eternamente em fuga como as ondas.

Eu disse que cantavas entre vento
como os pinheiros cantam, e os mastros
Tu és como eles alta e taciturna.
Tens a pronta tristeza de uma viagem.
Acolhedora como um caminho antigo,
povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Despertei e por vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam em tua alma.


(NERUDA)

CECILIA MEIRELES

Tuas palavras antigas

Deixei-as todas, deixeia-as,

Junto com as minhas cantigas,

Desenhadas nas areias.


Tantos sóis e tantas luas

Brilharam sobre essas linhas,

Das cantigas --- que eram tuas

Das palavras --- que eram minhas!


O mar, de língua sonora,

Sabe o presente e o passado.

Canta o que é meu, vai-se embora:

Que o resto é pouco e apagado.


(CECILIA MEIRELES)

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

MANOEL DE BARROS

Os girassóis de Van Gogh

Hoje eu vi
Soldados cantando por estradas de sangue
Frescura de manhãs em olhos de crianças
Mulheres mastigando as esperanças mortas.

Hoje eu vi os homens ao crepúsculo
Recebendo o amor no peito.
Hoje eu vi homens recebendo a guerra
Recebendo o pranto como balas no peito

E como a dor me abaixasse a cabeça
Eu vi os girassóis ardentes de Van Gogh!

Manoel de Barros

RUBEM ALVES

"Acho que sabedoria e saber sofrer pelas razões certas.
Quem não sofre, quando há razões para isso, está doente
(...). Quem é feliz sempre, e nunca sofre, padece de uma
grave enfermidade e precisa ser tratada a fim de aprender
a sofrer. Sofrer pelas razões certas significa que
estamos em contato com a realidade, que o corpo e a alma
sentem a tristeza das perdas e que existe em nós o poder
do amor (...). Toda experiência de amor traz, encolhida
no seu ventre, à espera, a possibilidade de sofrer.
Assim, a receita para não sofrer é muito simples:
basta matar o amor".

Rubem Alves - do livro: Um mundo num grão de areia)

INTROVERSÃO

INTROVERSÃO

Hoje, senti saudades minhas !
de ser mais meu amigo
de lesar os ponteiros do dia
quando o meu corpo clama
que o tempo e pra ser todo meu

Senti saudades ...
de ter um pacto comigo
de brincar com os meus medos
de falar dos meus desejos
de redescobrir os meus apegos

Saudades ...
tantas são minhas
de ter verdades comigo :
que me mostrem a lógica dos meus equívocos
o sabor do meu fel
de padecer de minha falta de gratidão

Saudades ...
de ter um tempo comigo
de falar com meu umbigo
de ler a Flor, que não Espanca
ouvindo o banzeiro,trazer o jangadeiro
de catar estrelas, que brilham no chão .
de pensar na vida a esmo

Hoje senti saudades minhas
de ser irresponsável, em matar um dia da lida
pra saber que há mais vida entre
entre o mim e o eu

REGO JUNIOR

DRUMMOND

(O que se passa na cama
É segredo de quem ama.)


É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pênis.


Ai, cama, canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme onça suçuarana,
dorme cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima... O pênis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.

Carlos Drummond de Andrade

BOCAGE

Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:

Não quero funeral comunidade,
que engrole sob-venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade:

Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:"

Aqui dorme Bocage, o putanheiro:
Passou a vida folgada, e milagrosa:
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro."

(BOCAGE)

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

UMA ORAÇÃO À VELHICE

Uma Oração à Velhice

Deus me guarde daqueles pensamentos que os homens têm
Sozinhos no seu pensar;
Aquele que canta uma canção duradoura
Pensa num osso suculento;

De tudo o que torna sábio um velho
Isso pode ser o mais louvável;
Oh que sou eu que não devia parecer
Para que a canção crie um tonto?

Eu rezo - pois a vã palavra foi-se
E a oração volta a surgir -
Para que possa parecer, ainda que morra velho,
Um homem tonto e apaixonado.

(YEATS)

ADÉLIA PRADO

Morte morreu

Quando o ano acinzenta-se em agosto
e chove sobre árvores
que mesmo antes das chuvas já reverdeceram,
da mesma estação levantam-se
nossos mortos queridos
e os passarinhos que ainda vão nascer.
"Ó morte, onde está tua vitória"?
Eh tempo bom, diz meu pai.
A mãe acalma-se,
tomam-se as providências sensatas.
Todos pra janela, espiar as goteiras:
"Chuva choveu, goteira pingou
pergunta o papudo se o papo molhou".
Pergunta a menina se a vida acabou.


ADÉLIA PRADO

domingo, 12 de agosto de 2007

SONETO DA SAUDADE

Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!

Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...

Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.
Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos...
Nem a distância apaga a chama da paixão.

Guimarães Rosa

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

DÁ-ME A FESTA MÁGICA

DEUS - e de onde é que tiras para acender o céu
este maravilhoso entardecer de cobre?
Por ele soube encontrar de novo a alegria,
e a má visão eu soube torná-la mais nobre.

Nas chamas coloridas de amarelo e verde
iluminou-se a lâmpada de um outro sol
que fez rachar azuis as planícies do Oeste
e verteu nas montanhas suas fontes e rios.

Deus, dá-me a festa mágica na minha vida,
dá-me os teus fogos para iluminar a terra,
deixa em meu coração tua lâmpada acendida
para que eu seja o óleo de tua luz suprema.

E eu irei pelos campos na noite estrelada
com os braços abertos e a face desnuda,
cantando árias ingênuas com as mesmas palavras
com que na noite falam os campos e a lua.

( Pablo Neruda )

CARTAS AO EU IV

Meu caro eu,
Por onde anda tua poesia neste fim de tarde de um domingo,
no secreto limo deste ar molhado? Pensas em famílias
recolhidas em adesão tácita, sentes o tempo gotejando horas...
tu não querias ser este ninho sem pássaro.
Desfias a memória de tudo que corre em ti, e te calas,
dói-te saber que algum descuido, um sortilégio já inalcançável,
talvez tenham te feito assim.
São tantas as saídas, tenta-te a roda do mundo :
buscar um ópio, abrir o mágico, cantar um fado...
tecer, tecer a exaustiva, sacralizada inutilidade dos versos...
Mas nada hoje te conforma, teu lirismo não sacia os recônditos,
ávidos lábios.
Há neste final de tarde prenúncios de um túnel de longa noite
onde te desertes , um nilismo em sutil camuflagem, um ainda aguardar,
aguardar ... esperar (vaidade suprema) de teus úmidos,
teimosos versos a eternidade.

(Fernando Campanella)

AO ENCONTRO DO INFINITO

Tu me dizes:
- Vou ao encontro do Infinito,
Em busca de um sonho melhor,
Vôo sem rumo certo,
Não quero ninguém por perto
Só eu e a minha dor.

Mas te digo:
- O Infinito é aqui, amor meu!!

É o sabor dos teus beijos,
Doce mel que me vicia.

É o calor do teu corpo,
Chama que não sacia.

É o toque das tuas mãos,
Brandura que acaricia.

É a força de teus braços,
Vigor, que a mim protegia.

É o aconchego do teu colo,
Que há pouco me acolhia.

É o cheiro da tua pele,
Aroma fascinante que iludia.

É a constância do teu sexo,
Puro êxtase que explodia.

Enfim, é o amor que sentimos,
Nem triste...nem só alegria.

Rita de Cássia

ÂNSIA

Não me deixem tranqüilo
não me guardem sossego
eu quero a ânsia da onda
o eterno rebentar da espuma

As horas são-me escassas:
dai-me o tempo
ainda que o não mereça
que eu quero
ter outra vez
idades que nunca tive
para ser sempre
eu e a vida
nesta dança desencontrada
como se de corpos tivéssemos trocado
para morrer vivendo


(MIA COUTO)

DESENCANTO

Eu faço versos como quem chora
de desalento...de desencanto...
feche o livro se por agora
não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
tristeza esparsa...remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente
cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
assim dos lábios a vida corre,
deixando um acre sabor na boca.

- eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

ATITUDE

Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.


O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.


Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.


E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.

(Cecilia Meireles)

CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E minha poesia é um vicio triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com tua boca fresca de madrugada,
Com teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel,
sem compreender nada,
numa alegria atônita...
A súbita alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!

Mário Quintana

PALAVRAS

Golpes
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.

A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha

Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro

Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.

(Sylvia Plath)

MAU DESPERTAR

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.

(Ferreira Gullar)

CANTIGA DE ENGANAR

O mundo não vale o mundo,
meu bem.
Eu plantei um pé-de-sono,
brotaram vinte roseiras.
Se me cortei nelas todas
e se todas se tingiram
de um vago sangue jorrado
ao capricho dos espinhos,
não foi culpa de ninguém.
O mundo,
meu bem,
não vale
a pena, e a face serena
vale a face torturada.
Há muito aprendi a rir,
de quê? de mim? ou de nada?
O mundo, valer não vale.
O mundo não tem sentido.
O mundo e suas canções
de timbre mais comovido
estão calados, e a fala
que de uma para outra sala
ouvimos um certo intante
é silêncio que faz eco
e que volta a ser silêncio
no negrume circundante.
Silêncio: que quer dizer?
Que diz a boca do mundo?
meu bem, o mundo é fechado,
se não for antes vazio.
O mundo é talvez: e é só.
Talvez nem seja talvez.
O mundo não vale a pena.

(DRUMMOND)

SONETO 30

Quando à corte silente do pensar
Eu convoco as lembranças do passado,
Suspiro pelo que ontem fui buscar,
Chorando o tempo já desperdiçado,

Afogo olhar em lágrima, tão rara,
Por amigos que a morte anoiteceu;
Pranteio dor que o amor já superara,
Deplorando o que desapareceu.

Posso então lastimar o erro esquecido,
E de tais penas recontar as sagas,
Chorando o já chorado e já sofrido,

Tornando a pagar contas todas pagas.
Mas, amiga, se em ti penso um momento,
Vão-se as perdas e acaba o sofrimento.

(SHAKESPEARE)

ALMA PERDIDA

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma de gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
D“alguém que quis amar e nunca amou!

Toda à noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh“alma
Que chorasse perdida em tua voz!...

[Florbela Espanca]

APRENDIZ

E agora vamos costurando nossos jogos de bem-me-quer,
não-me-quer , fase em que nos alinhavamos no infecundo
círculo da incerteza emocional... perigamos aqui mergulhar
num abismo sem fim, sem pausa para retomarmos nosso próprio ar,
para inspirarmos, eu sem você, você sem mim, as isentas,
vitais alegrias que eclodem à luz do dia.
(Ah, angústia de amor jamais suprido, mar
de vai-e-vens descomunais) ...mas o aprendizado da alma
é bem assim, dizem os doutos sábios, mergulhar, mergulhar,
e subir. Então sou aprendiz de mim.


(F.Campanella)

VAGABUNDOS DE SONHOS

O sonho é a imortalidade , para deixar em memória o nosso desejo

Vagabundos por
subúrbios de estrelas
Em tais recantos de rosas
Adornadas em lágrimas
Ao sabor da emoção
Enraizadas na comução
Enquanto navegam
Por mundos de imortais
Nas juras de sangue
E na perdição de cada amor

Obreiros de obras primas
Resguardados no prazer
De tantos sonhos a desfolhar
Em eterna renascença
Do sentido madrugado
Na calma de cada silêncio
E expressões ditadas
Pela a grandeza da paixão

Velejam por terna loucura
Por entre livre desejo
Pelo o manifesto de seu coração
Cantarolando a mortais
Descobertas de sonhos
No murmúrio do encanto
Aquém do alcance
De presentes sentidos
Na forma de uma mortalidade surda

De quem jamais saberá
O sonho de cada estrela
De noites de obreiros
De sonhos aveludados
Na ternura de cada desejo
Mergulhado no fogo
Da loucura da paixão

Por José Araújo

WALT WHITMAN

A pé e de coração leve
eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
à minha frente o longo atalho pardo
levando-me aonde eu queira.

Daqui em diante não peço mais boa-sorte,
boa-sorte sou eu.
Daqui em diante não lamento mais,
não transfiro, não careço de nada;
nada de queixas atrás das portas,
de bibliotecas, de tristonhas críticas;
forte e contente vou eu
pela estrada aberta.

A terra é quanto basta:
eu não quero as constelações mais perto
nem um pouquinho, sei que se acham muito bem
onde se acham, sei que são suficientes
para os que estão em relação com elas.

(Carrego ainda aqui
os meus antigos fardos de delícias,
carrego — mulheres e homens —
carrego-os comigo por onde eu vou,
confesso que é impossível para mim
ficar sem eles: deles estou recheado
e em troca eu os recheio.)


WALT WHITMAN

VINÍCIUS E TOQUINHO

Ai, quem me dera terminasse a espera
Retornasse o canto simples e sem fim
E ouvindo o canto se chorasse tanto
Que do mundo o pranto se estancasse enfim

Ai, quem me dera ver morrer a fera
Ver nascer o anjo, ver brotar a flor.
Ai, quem me dera uma manhã feliz.
Ai, quem me dera uma estação de amor

Ah, se as pessoas se tornassem boas
E cantassem loas e tivessem paz
E pelas ruas se abraçassem nuas
E duas a duas fossem ser casais

Ai, quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afim
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim

Ai, quem me dera ouvir o nunca-mais
Dizer que a vida vai ser sempre assim
E, finda a espera, ouvir na primavera
Alguém chamar por mim.

Vinícius e Toquinho

ALBERTO CAEIRO

Pensar em Deus é desobedecer a Deus,

Porque Deus quis que o não conhecêssemos,

Por isso se nos não mostrou...

Sejamos simples e calmos,

Como os regatos e as árvores,

E Deus amar-nos-á fazendo de nós

Nós, como as árvores são árvores

E como os regatos são regatos,

E dar-nos-á verdor na sua primavera

E um rio aonde ir ter quando acabemos...

E não nos dará mais nada, porque

Dar-nos mais seria tirar-nos mais.


(ALBERTO CAEIRO)

CACASO

MAR E AMOR

Amor Amor
Quando o mar
Quando o mar tem mais segredo
Não é quando ele se agita
Não é quando é tempestade
Nem é quando é ventania
Quando o amor tem mais segredo
É quando é calmaria

Quando o amor
Quando o amor tem mais perigo
Não é quando ele se arrisca
Não é quando ele se ausenta
Nem quando eu me desespero
Quando o amor tem mais perigo
É quando ele é mais sincero.

(CACASO)

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

CARLOS NEJAR

Não sou um tempo
ou uma cidade extinta.
Civilizei a língua
e foi resposta em cada verso.
E à fome, condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei
a pátria injustamente
cega, como eu, num
dos olhos. E não pôde
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o túmulo,
que não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou mendigo
de uma pátria. Mas da língua
que me conhece e espera.
E a razão que não me dais,
eu crio. Jamais pensei
ser pai de santos filhos.

(CARLOS NEJAR)

MARIO QUINTANA

Nós vivemos num mundo de espelhos,
mas os espelhos roubam nossa imagem...
Quando eles se partirem numa infinidade de estilhas
seremos apenas pó tapetando a paisagem.

Homens virão, porém, de algum mundo selvagem
e, com estes brilhantes destroços de vidro,
nossas mulheres se adornarão, seus filhos
inventarão um jogo com o que sobrar dos ossos.

E não posso terminar a visão
porque ainda não terminou o soneto
e o tempo é uma tela que precisa ser tecida...

Mas quem foi que tomou agora o fio da minha vida?
Que outro lábio canta, com a minha voz perdida,
nossa eterna primeira canção?!

Mario Quintana

terça-feira, 31 de julho de 2007

MURILO MENDES

Adivinho nos planos da consciência
dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos
mundo de planetas em fogo
vertigem
desequilíbrio de forças,
matéria em convulsão ardendo pra se definir.
Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,
o mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala as colunas da realidade,
desperta os ritmos que estão dormindo.
À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!


Um dia a morte devolverá meu corpo,
minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins
meus olhos verão a luz da perfeição
e não haverá mais tempo.



(MURILO MENDES)

CARLOS NEJAR

As coisas não se submetem
à nossa vestidura;
na máscara que somos
as coisas nos conjuram.

Por que não escutá-las,
tão sáfaras e puras,
como flores ou larvas,
estranhas criaturas?

Por que desprezá-las
no sopro que as transmuda
com os olhos de favas,
fechados na espessura?

Por que não escutá-las
na linguagem mais dura,
comprimidas as asas
na testa que as vincula?

Despimos a armadura
e a viseira diurna;
a linguagem resvala
onde as coisas se apuram.

Recônditas e escravas
na cava da palavra,
são fiandeiras escuras
ou áspides sequiosas.

As coisas não se submetem
à nossa vestidura.



(CARLOS NEJAR)

sexta-feira, 27 de julho de 2007

LEDO IVO

O dia está cheio de palavras.
Elas escorrem como a água das sarjetas ou a saliva da boca
dos demagogos.
Espalham-se no chão como as folhas de um outono excessivo.
Transbordam das lixeiras junto com as latas de coca-cola e
restos de comida.
São piolhos que avançam na selva da tarde.
Ninguém pode viver sem as palavras.
Isto explica o desconforto dos passageiros do metro.
Condenados a um silêncio temporário
eles se entreolham suspeitosamente na plataforma da estação
e estremecem quando as portas do trem se fecham.
Embalados pelos solavancos de um viagem sem paisagem
ouvem os vagões rangerem nos trilhos taciturnos
na escuridão que sustenta o clamor da cidade.
É o que sobra do rumor do mundo.
Mas eles querem o instante
em que, devolvidos ao dia loquaz, voltarão a falar.

Ledo Ivo

quarta-feira, 25 de julho de 2007

NERUDA

Se não puderes ser um pinheiro,

No topo de uma colina,

Sê um arbusto no vale, mas sê

O melhor arbusto à margem do regato.

Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.

Se não puderes ser um ramo, sê um pouco

De relva, e dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,

Sê apenas uma senda,

Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.

Não é pelo caminho que terás êxito ou fracasso...

Mas sê o melhor no que quer que sejas.


(PABLO NERUDA)

CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Cântico dos cânticos (trecho)

Quão belos são os teus pés
nas sandálias que trazes, ó filha de príncipe!
As colunas das tuas pernas são como anéis
trabalhados por mãos de artista.
o teu umbigo é uma taça arredondada,
que nunca está desprovida de vinho.
O teu ventre é como um monte de trigo
cercado de lírios.
Os teus dois seios são como dois filhinhos
gêmeos duma gazela.
O teu pescoço é como uma torre de marfim.
Os teus olhos são como as piscinas de Hesebon,
que estão situadas junto da porta de Bat-Rabim.
O teu nariz é como a torre do Líbano,
que olha para Damasco.
A tua cabeça levanta-se como o monte Carmelo;
os cabelos da tua cabeça são como a púrpura
um rei ficou preso às suas madeixas.
Quão formosa e encantadora és,
meu amor, minhas delícias!
A tua figura é semelhante a uma palmeira.
Eu disse. Subirei à palmeira,
e colherei os seus frutos.
Os teus seios serão, para mim, como cachos de uvas,
e o perfume da tua boca como o das maçãs.

RAIMUNDO CORREIA

PLENA NUDEZ

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas...

Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus... toda nua, da cabeça aos pés!


(RAIMUNDO CORREIA)

terça-feira, 24 de julho de 2007

ANTERO DE QUENTAL

Noturno

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...

Como um canto longínquo - triste e lento-
Que voga e sutilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando. entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Gênio da Noite, e mais ninguém!

Antero de Quental

CASIMIRO DE ABREU

Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.


Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.


São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.


Simpatia - meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'agosto
É o que m'inspira teu rosto...
- Simpatia - é quase amor!

(CASIMIRO DE ABREU)

segunda-feira, 23 de julho de 2007

FERNANDO PESSOA

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...

Fernando Pessoa

ALBERTO DE OLIVEIRA

Baixando à Terra, o cofre em que guardados
Vinham os Males, indiscreta abria
Pandora. E eis deles desencadeados
À luz, o negro bando aparecia.

O Ódio, a Inveja, a Vingança, a Hipocrisia,
Todos os Vícios, todos os Pecados
Dali voaram. E desde aquele dia
Os homens se fizeram desgraçados.

Mas a Esperança, do maldito cofre
Deixara-se ficar presa no fundo,
Que é última a ficar na angústia humana...

Por que não voou também? Para quem sofre
Ela é o pior dos males que há no mundo,
Pois dentre os males é o que mais engana.

Alberto de Oliveira

OLAVO BILAC

De outras sei que se mostram menos frias,
Amando menos do que amar pareces.
Usam todas de lágrimas e preces:
Tu de acerbas risadas e ironias.

De modo tal minha atenção desvias,
Com tal perícia meu engano teces,
Que, se gelado o coração tivesses,
Certo, querida, mais ardor terias.

Olho-te: cega ao meu olhar te fazes ...
Falo-te - e com que fogo a voz levanto! -
Em vão... Finges-te surda às minhas frases...

Surda: e nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vês a nova dor que trazes
À dor antiga que doía tanto!

Olavo Bilac

VINICIUS DE MORAES

Soneto a Quatro Mãos

Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.

Tão prodígo de amor fiquei coitado
Tão facil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.

Vinicius de Moraes

QUINTANA

Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!

Mário Quintana

RUA DOS CATAVENTOS

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...

Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!

Mário Quintana

SONETO DA CONCILIAÇÃO

Que o amor não me iluda, como a bruma
que esconde uma imprevista segurança.
Antes, sustente o chão em que descansa
o que se irá, perdido como a espuma.

Veja que eu me elegi, mas sem nenhuma
razão de assim fazer, e sem lembrança
de aproveitar apenas a esquivança
de que o amor não prescinde em parte alguma.

Que também não se alheie ao que esclarece
o motivo real, de uma oferta,
reunir o acessório e o imprescindível.

Antes, atente a tudo o que se tece
distante do seu dia inconsumível
que dá certeza à noite mais incerta.

Lêdo Ivo

quarta-feira, 18 de julho de 2007

OLEGÁRIO MARIANO

Deve ser bom morrer numa noite como essa!
Beber a luz do luar e sentir-lhe a embriaguez.
Quando se sofre assim, a morte é uma promessa...
Vou tentar ser feliz pela última vez.

Foi diferente a minha vida. Andou depressa.
O que fiz, o destino inclemente desfez.
Quando o amor se dilui e a saudade começa,
Talvez a morte seja um consolo... talvez.

Serei no céu pastor de estrelas... Entre os dedos
Prenderei um punhado delas, uma a uma,
E ao som da avena que um pastor-poeta me deu,

A lua se desmanchará sobre os rochedos,
Para que eu veja nela, em seu vulto de espuma,
A mulher que foi sombra e ... desapareceu.

Olegário Mariano

OLAVO BILAC

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Olavo Bilac

LEDO IVO

Sou sempre o que está além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pôr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imóvel no jardim.

De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.

Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida é simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.

Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigília ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?

Lêdo Ivo

HUMBERTO DE CAMPOS

Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;

Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;

Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;

Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!

Humberto de Campos

DRUMMOND

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 16 de julho de 2007

HILDA HILST

DEZ CHAMAMENTOS AO AMIGO

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

(HILDA HILST)

FIM

Fim

Vejo em seus olhos a dor que sentes,
Não se preocupe minha donzela pálida,
A noite não finda em chegar e seus pesadelos poderão ser vistos à luz do farol.
Acenda um cigarro e deixe que a fumaça oculte seus pecados.
Iremos todos para o inferno mesmo, então porque temer?
Se sobrevivermos mais essa noite, a morte será vencida e então poderemos gozar através das dimensões.
O velho xamã faz um prece antiga agora. Não há mais nada à perder, todos partiram, inclusive sua alma.
Vêm meu anjo negro. Jogaremos estrelas pelo caminhos para não nos perdermos. Mas já não estamos?
Acenda mais um cigarro e seu corpo se disipará com a fumaça e se transformará em nuvens de tempestade,
Chovendo toda fúria e melancolia nessa terra árida de solidão.
O velho xamã dança em círculos. A mãe olha o filho morto e sorri. Não há mais dor em seu coração.
Imagens se confundem na penumbra da Lua. O Dragão dilacera o coração do cavaleiro,
Prostitutas entoam orações milagrosas enquanto monges choram a desgraça da existência.
O dia amanhece e traz com ele a luz da verdade.
Tudo não passa de ilusões, uma piada do Universo.
O fim termina com uma risada mortal.


(CIGANO DA NOITE)

LUA CHEIA

Ninguém vai chegar do mar

Nem vai me levar daqui

Nem vai calar minha viola

Que desconsola, chora notas

Pra ninguém ouvir.



Minha voz ficou na espreita

Na espera

Quisera abrir meu peito

Cantar feliz

Preparei para você

Uma lua cheia

E você não veio

E você não quis.



Meu violão ficou tão triste

Pudera

Quem dera abrir janelas

Fazer serão

Mas você me navegou

Mares tão diversos

E eu fiquei sem versos

E eu fiquei em vão.



Toquinho/Chico Buarque

FERNANDO PESSOA

Sim sei bem

que nunca serei alguém

sei de sobra

que nunca terei uma obra

sei, enfim

que nunca saberei nada de mim.



Sim, mas agora,

enquanto dura esta hora,

este luar, estes ramos,

esta paz em que estamos,

deixe-me crer

o que nunca poderei ser.



Fernando Pessoa

BASTOS TIGRE

É certo que a República vai torta;
Ninguém nega a duríssima verdade.
Da pátria o seio a corrupção invade
E a lei, de há muito tempo, é letra morta.

A quem sinta altivez, força e vontade
Ficou trancada do Poder a porta:
Mas felizmente a vida nos conforta
De esperança, uma dúbia claridade.

Porque (ninguém se iluda), "isto" que assim
A pobre Pátria fere, ultraja e explora,
Jamais o sonho foi de Benjamin.

Os motivos do mal não são mistério:
- É que a gentinha que governa agora
É o rebotalho que sobrou do Império.

(BASTOS TIGRE)

sexta-feira, 13 de julho de 2007

ALBERTO CAEIRO

Às vezes, em dias de luz perfeita e exata,

Em que as coisas têm todas a realidade

Que podem ter, pergunto a mim próprio

devagar, porque sequer atribuo eu

Beleza às coisas.

Uma flor acaso tem beleza?

Tem beleza acaso um fruto?

Não: têm cor e forma

E existência apenas.

A beleza é o nome de qualquer

Coisa que não existe.

Que eu dou às coisas em troca

Do agrado que me dão.

Não significa nada.

Então porque digo eu

Das coisas: são belas?



(ALBERTO CAEIRO)

VINICIUS DE MORAES

Felizes são os pássaros

Que chegam mais cedo que eu

À suprema fraqueza

E que, voando, caem,

Pequenos e abençoados,

Nos parques onde

A primavera é eterna.




(VINICIUS DE MORAES)

CECILIA MEIRELES

Não busques para lá.
O que é, és tu.
Está em ti.
Em tudo.
A gota esteve na nuvem.
Na seiva.
No sangue.
Na terra.
E no rio que se abriu no mar.
E no mar que se coalhou em mundo.
Tu tiveste um destino assim.
Faze-te a margem do mar.
Dá-te à sede das praias
Dá-te a boca azul do céu
Mas foge de novo à terra.
Mas não toque nas estrelas.
Volve de novo a ti.
Retoma-te.

(CECILIA MEIRELES)

FERNANDO PESSOA

Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.

A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.

(FERNANDO PESSOA)

T.S.ELIOT

(...) Eu disse à minha alma, fica tranquila,

e espera sem esperança

Pois a esperança seria esperar

pelo equívoco; espera sem amor

Pois o amor seria amar o equívoco;

contudo ainda há fé

Mas a fé, o amor e a esperança

Permanecem todos à espera

Espera sem pensar, pois que pronta

Não estás para pensar:

Assim a treva em luz se tornará,

e a dança há de o repouso

se tornar...


(T.S.ELIOT)

MARIO QUINTANA

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

(mario quintana)

CECILIA MEIRELES

Não busques para lá.
O que é, és tu.
Está em ti.
Em tudo.
A gota esteve na nuvem.
Na seiva.
No sangue.
Na terra.
E no rio que se abriu no mar.
E no mar que se coalhou em mundo.
Tu tiveste um destino assim.
Faze-te a margem do mar.
Dá-te à sede das praias
Dá-te a boca azul do céu
Mas foge de novo à terra.
Mas não toque nas estrelas.
Volve de novo a ti.
Retoma-te.

(CECILIA MEIRELES)

FERNANDO PESSOA

Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.

A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.

(FERNANDO PESSOA)

quinta-feira, 12 de julho de 2007

ALEXANDRE O'NEILL

A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

A meu favor tenho uma rua em transe
Um alto incêndio em nome de nós todos

Alexandre O'Neill

VINÍCIUS DE MORAES

Não, já não amo mais os passarinhos
A quem, triste, contei tanto segredo
Nem amo as flores despertadas cedo
Pelo vento orvalhado dos caminhos.

Não amo mais as sombras do arvoredo
Em seu suave entardecer de ninhos
Nem amo receber outros carinhos
E até de amar a vida tenho medo.

Tenho medo de amar o que de cada
Coisa que der resulte empobrecida
A paixão do que se der à coisa amada

E que não sofra por desmerecida
Aquela que me deu tudo na vida
E que de mim só quer amor - mais nada.

(Vinicius de Moraes)

MIGUEL TORGA

Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

(Miguel Torga)

FERNANDO PESSOA

Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada
Deixa esquecer

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

Fernando Pessoa

LUÍS DE CAMÕES

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;

O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza;
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, Senhora.

O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.

Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.

Luís de Camões

ALEXANDRE O'NEILL

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O’Neill

AO FIM

Ao fim são muito poucas as palavras
que nos doem a sério e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
São também muito poucas as pessoas
que tocam nosso coração e menos
ainda as que o tocam muito tempo.
E ao fim são pouquíssimas as coisas
que em nossa vida a sério nos importam:
poder amar alguém, sermos amados
e não morrer depois dos nossos filhos.


(Amália Bautista)

ESSA É A PERGUNTA

Mas no fundo, o significado da vida e das nossas ações
talvez tenha sido esse laço que nos uniu a alguém –
laço ou paixão, chama-lhe o que quiseres.
Essa é a pergunta.(...) Pensas também que o significado
da vida não seja outro senão a paixão, que um dia invade
o nosso coração, e depois arde para sempre, até à morte?
Aconteça o que acontecer? E que se nós vivemos essa paixão,
talvez não tenhamos vivido em vão?
É assim tão profunda, tão maldosa, tão grandiosa
e desumana a paixão? … E talvez não se dirija a uma
pessoa em concreto, mas apenas ao desejo mesmo?...
Essa é a pergunta.

(Sándor Márai)

SOPHIA DE MELLO

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta.
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

JORGE DE SENA

Quem muito viu, sofreu, passou trabalhos,
mágoas, humilhações, tristes surpresas;
e foi traído, e foi roubado, e foi
privado em extremo da justiça justa;

e andou terras e gentes, conheceu
os mundos e os submundos; e viveu
dentro de si o amor de ter criado;
quem tudo leu e amou, quem tudo foi –

não sabe nada nem triunfar lhe cabe
em sorte como a todos os que vivem.
Apenas não viver lhe dava tudo.

Inquieto e franco, altivo e carinhoso,
será sempre sem pátria. E a própria morte,
quando o buscar, há-de encontrá-lo morto.


(Jorge de Sena)

FERNANDO PESSOA

Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio.
Nada me impede,me impele,
Me dá calor ou dá frio.

Vou vendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada.
Vejo os rastros que ele traz.
Numa sequência arrastada,
Do que ficou para trás,

Vou vendo e vou meditando,
não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando,
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando.

Vou na ribeira do rio
Que está aqui ou ali,
E do seu curso me fio,
Porque se o vi ou não vi,
Ele passa e eu confio.

(FERNANDO PESSOA)

AUSÊNCIA - DRUMMOND

Por muito tempo achei
Que a ausência era falta.
E lastimava ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
Aconchegada nos meus braços
que rio e danço
e invento exclamações alegres,
Porque a ausência,
Essa ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.

( Carlos Drummond de Andrade )

quarta-feira, 11 de julho de 2007

LEDO IVO

O raio que caiu dividiu o verão.
a cisterna de luz escorria na terra
sob a nuvem purpúrea e o voo do gavião,
e me alcançou em cheio, no meio de mim
como o aroma da flor que se ergue no jardim
para impor a quem passa o domínio do instante.
O sol desmoronado escondeu os seus raios
na doçura da palha espalhada no estábulo.
A serpente agoniza, mudada em coral.
A relva abre caminho no silêncio dos homens
que escalam as montanhas douradas do outono.
Entre os que vão e vêm eu também venho e vou.
Nos tormentos do mundo fui multiplicado
e de tanto existir já não sei mais quem sou.

Ledo Ivo

FERNANDO PESSOA

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

FERNANDO PESSOA

WILLIAM YEATS

Tudo quanto é feio, destruído, todas as coisas gastas, velhas,
Maculam a tua imagem que engendra uma rosa no fundo do meu coração.
Tão grande é a mácula das coisas torpes que não pode ser descrita;
A minha ânsia é tudo reconstruir e sentar-me
num verde outeiro solitário, Com a terra, o céu,
a água renovados, como um cofre de ouro
Para os meus sonhos da tua imagem que floresce
numa rosa tão profundamente no meu coração.

(YEATS)

terça-feira, 10 de julho de 2007

BAUDELAIRE

A Uma Passante

tradução Guilherme de Almeida

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daquí! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

(CHARLES BAUDELAIRE)

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

Condenado estou a te amar
Nos meus limites
até que exausta e mais querendo
Um amor total, livre das cercas,
Te despeça de mim, sofrida,
Na direção de outro amor
Que pensas ser total e total será
Nos seus limites da vida.

O amor não se mede
Pela liberdade de se expor nas praças
E bares, em empecilho.
É claro que isto é bom e, às vezes,
Sublime.
Mas se ama também de outra forma, incerta,
E este o mistério:

- ilimitado o amor às vezes se limita,
Proibido é que o amor às vezes se liberta.
Ele quis morrer para arrasar a morte e voltar.

Affonso Romano de Sant'Anna

MARIO QUINTANA

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

Mario Quintana - A Cor do Invisível

RITA APOEMA

Toma o amor guardado entre as conchas da minha mão.
Dentro delas ouvi as ondas quebrando-se em pedras
e o espetáculo de um pequeno musgo nascido à beira
de um raio de sol. Dentro delas, ouvi a terra aninhando
sementes e plantas entrelaçando a ponta de suas raízes.
Finas raízes tentando sustentar o mundo
sob as placas de cimento.
As placas de cimento, de onde germinam as casas
e crescem as pessoas, entrelaçando a ponta de
seus braços e o mais fundo de seus corpos pela noite escura.
Dentro delas, ouvi o mundo inteiro tentando ser par...
e ouvi a ponta de tuas asas tocando minhas costas nuas,
teu instrumento de cordas e suspiros profundos.

(RITA APOEMA)

JOSÉ ARAÚJO

Seu eu fosse mudo
falaria mais do quanto falo...
Se eu fosse mudo , falaria como falo
Na mesma forma como em palavra
Seria em cada expressão de um silêncio
A cada vogal , a cada sentido
Cantaria como hoje eu canto

Se eu foosse mudo...
Me ouvirias além muralhas
Além de um fim de um silêncio
Á quanta inexistência....

Seria ummaior fogo de mim
Gritaria a todos os ventos
Sobre rochas do pesar
Na vista de todo o horizonte
Mesmo longe de tudo
Continuaria a minha voz

A quem me ouviria
Me ouviria como me ouve
Em cantos de voz

Porque minha voz
É uma alma em fogo
Que arde em mim


(JOSÉ ARAÚJO)

MARIO QUINTANA

O tempo é indivisível. Dize,

Qual o sentido do calendário?

Tombam as folhas e fica a árvore,

Contra o vento incerto e vário.

A vida é indivisível. Mesmo

A que se julga mais dispersa

E pertence a um eterno diálogo

A mais inconsequente conversa.

Todos os poemas são um mesmo poema,

Todos os porres são o mesmo porre,

Não é de uma vez que se morre...

Todas as horas são horas extremas!



(MARIO QUINTANA)

HENRIQUE DÓRIA

Quando à noite se incendeia
Dentro do meu quarto
A árvore nua
E a devoradora onda se ergue
Sobre mim à luz da lua
A cobra silenciosa vem
Ou eu caio sobre as águas
Negras do vórtice fundo

É a tua asa de ave
Do paraíso mãe
Que sempre me envolve
E me sustém
E todas as manhãs me devolve
Sereno e salvo
Ao mundo.

( HENRIQUE DÓRIA )

ÁLVARO DE CAMPOS

Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles...
Domingo...
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!

Álvaro de Campos

JORGE DE SENA

Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.

Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.

Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.

Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.

Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.

A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.

Jorge de Sena

ROBERTO JUARROZ

As últimas estruturas estão gastas
e é preciso mudá-las,
sobretudo as mais finas.

Desmantelar o ar, por exemplo.
Desmantelar o pensamento.
Mas substituí-los por quê?

Há que pôr o ar no lugar do pensamento.
Há que pôr o pensamento no lugar do ar.

ROBERTO JUARROZ- Poesia Vertical

sexta-feira, 6 de julho de 2007

WILLIAM YEATS

O prazer do difícil tem secado
A seiva em minhas veias. A alegria
Espontânea se foi. O fogo esfria
No coração. Algo mantém cerceado
Meu potro, como se o divino passo
Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço,
Sob o chicote, trêmulo, prostrado,
E carregasse pedras. Diabos levem
As peças de teatro que se escrevem
Com cinqüenta montagens e cenários,
O mundo de patifes e de otários,
E a guerra cotidiana com seu gado,
Afazer de teatro, afã de gente,
Juro que antes que a aurora se apresente
Eu descubro a cancela e abro o cadeado.


( YEATS )

EUGÊNIO DE ANDRADE

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

(EUGÊNIO DE ANDRADE)

FERNANDO PESSOA

Todas as cousas que há neste mundo
Têm uma história,
Excepto estas rãs que coaxam no fundo
Da minha memória.
Qualquer lugar neste mundo tem
Um onde estar,
Salvo este charco de onde me vem
Esse coaxar.
Ergue-se em mim uma lua falsa
Sobre juncais,
E o charco emerge, que o luar realça
Menos e mais.
Onde, em que vida, de que maneira
Fui o que lembro
Por este coaxar das rãs na esteira
Do que deslembro?
Nada. Um silêncio entre jucos dorme.
Coaxam ao fim
De uma alma antiga que tenho enorme
As rãs sem mim.


( FERNANDO PESSOA )

HERBERTO HELDER

Deito-me e amo a mulher. E amo

o amor na mulher. E na palavra, o amor.

Amo com o amor do amor,

não só a palavra, mas

cada coisa que invade cada coisa

que invade a palavra.

E penso que sou total no minuto

em que a mulher eternamente

passa a mão da mulher no gato

dentro da casa.


No mundo tão concreto.


( HERBERTO HELDER )

MARIO QUINTANA

Todos os jardins deviam ser fechados

Com altos muros de um cinza

Muito pálido, onde uma fonte

Pudesse cantar sozinha,

Entre o vermelho dos cravos.

O que mata um jardim

Não é mesmo alguma ausência

Nem o abandono...

O que mata um jardim

É esse olhar vazio

De quem por eles passa

Indiferente.


(QUINTANA)

HERÁCLITO ESTAVA CERTO...

Heráclito estava certo: " não se nada duas vezes no mesmo rio" - na

segunda vez as águas não mais serão as mesmas e nem será o mesmo

homem a banhar-se nelas. A frase resume toda a filosofia de Heráclito,

que acreditava que tudo é mudança, que nada permanece estável.

Apesar de já passado vários séculos, a frase só a frase não sofreu

mudança.... mas é esta a características dos conceitos:são eternos!

Mas nem sempre estamos preparados para ter um visão clara da

dialética da mudança; nosso envolvimento nos rouba a objetividade

e nos torna testemunhas deficientes... Como se estivéssemos presos

afetivamente num abismo, onde a mente teimosamente se trancou

e de onde a única saída seria a escolha do ato

"psicologicamente correto",

o ato que nos devolve a lucidez perdida.

O amor esteve sempre, e continuará sempre, entre as grandes

forças da alma humana, que as arrastam por caminhos muito diferentes

daqueles que a sabedoria imagina. Mas não se deve esquecer que os

sentimentos são desencadeados por pensamentos, e de posse de

uma nova lucidez e de um modo mais sensato de "enxergar" o outro,

pode-se tirar toda a carga afetiva que embaraça o pensar correto.

Assim como o rio, nós também somos seres em mudança e o caráter

efêmero de nossa existência sempre nos faz ir de encontro à pergunta

essencial: o que tem sentido? E a objetividade recolocada em sua

posição de comando responde: não tem sentido construirmos uma

"casa magnífica" e deixar que outros decidam sobre ela; não tem sentido

andar em círculos em volta de um abismo escuro, se podemos escolher

os campos abertos e cheios de sol; não tem sentido cantar belas

canções

para quem não está disposto a ouvir.

O grande trunfo da vida, desde que Eva providencialmente comeu aquela

famosa maçã é o nosso poder de escolha. E respeitar escolhas alheias

é um grande passo para também fazermos as nossas.


(YEDRA)

quinta-feira, 5 de julho de 2007

TAGORE

Se não falas, vou encher o meu coração

Com o teu silêncio, e aguentá-lo.

Ficarei quieto, esperando, como anoite

Em sua vigília estrelada,

Com a cabeça pacientemente inclinada.

A manhã certamente virá,

A escuridão se dissipará, e a tua voz

Se derramará em torrentes

douradas por todo o céu.

Então as tuas palavras voarão

Em canções, em cada ninho

dos meus pássaros,

E as tuas melodias brotarão em flores

Por todos os recantos da minha floresta.



(TAGORE)

VINÍCIUS DE MORAES

A minha namorada é muito culta,

sabe matemática, geografia, história.

E nunca se esquece que´é

a menina do poeta.

É doce! gosta muito de mim.

É uma cigana, é uma coisa...

Que me faz chorar na rua,

dançar no quarto,

ter vontade de me matar

e de ser presidente da República.

É boba, ela! Tudo faz,

tudo sabe, é linda.

Dêem-lhe uma espada,

constrói um reino.

Dêem-lhe um teclado,

faz uma aurora,

Dêem-lhe uma razão,

faz uma briga...!

E do pobre ser que Deus lhe deu,

eu, filho pródigo, poeta

cheio de erros

Ela fez um eterno perdido.


(VINÍCIUS DE MORAES)

VOLTA AOS TEUS DEUSES PROFUNDOS

Volta a teus deuses profundos; estão intactos,

estão ao fundo com suas chamas esperando;

nenhum sopro do tempo as apaga.

Os silenciosos deuses práticos

ocultos na porosidade das coisas.

Hás rodado no mundo,

perdeste teu nome, tua cidade,

assíduo a visões fragmentárias;

de tantas horas que reténs?

A música de ser é destoante

porém a vida continua

e certos acordes prevalecem.

A terra é redonda por desejo

de tanto gravitar;

a terra arredondará todas as coisas

cada uma a seu término.

De tantas viagens pelo mar

de tantas noites

ao pé de tua lâmpada,

só estas vozes te circundam;

decifra nelas o eco de teus deuses;

estão intactos, estão cruzando

mudos com seus olhos de peixes

ao fundo de teu sangue.


( EUGÊNIO MONTEJO )

ANTONIO CÍCERO

O que muito me confunde

É que no fundo de mim

Estou eu

No fundo sei que

Não sou sem fim

E sou feito de um mundo:

Imenso

Imerso num Universo

Que não é feito de mim.

Mas mesmo assim

É controverso

Se nos versos de um poema

Perverso sai o reverso

Disperso num tal dilema

O certo é reconhecer:

No fundo de mim...

Sou sem fundo.


(ANTÔNIO CÍCERO)

quarta-feira, 4 de julho de 2007

MACHADO DE ASSIS

Mulheres são como maçãs em árvores.
As melhores estão no topo.
Os homens não querem alcançar essas boas,
porque eles têm medo de cair e se machucar.
Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão,
que não são boas como as do topo.
Mas são fáceis de se conseguir.
Assim as maçãs no topo pensam que algo
está errado com elas, quando na verdade,
eles estão errados...
Elas têm que esperar um pouco para o homem certo chegar.
Aquele que é valente bastate para escalar até o topo da árvore.


(MACHADO DE ASSIS)

O DIA DE DEUS

O dia de Deus é branco
sumo de semana que nunca acaba
não é memória que luz
é cegante em sua claridade
que desconforta todo nascido

O dia de Deus é duro
de matéria só de minério
pode ser porrada ou pontiagudo
o seu ingastável é prejuízo
não de tempo-lucro

O dia de Deus é burro
Carga que quebra carroça
por não suportá-lo nem persuadi-lo
depois do peso o soldo —
capim, sal e algum líquido

(JOÃO FILHO)

DRUMMOND

Para o sexo a expirar, eu me volto, expirante.
Raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.
Amor, amor, amor - o braseiro radiante
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.

Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,
a minha se rebela ante a morte anunciada.
Quero sempre invadir essa vereda estreita
onde o gozo maior me propicia a amada.

Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo, quem sabe?
enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer
antes que, deliciosa, a exploração acabe.

Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,
e assim possa eu partir, em plenitude o ser,
de sêmen aljofrando o irreparável ermo.

(DRUMMOND)

WILLIAM BLAKE

O Amor jamais a si quer contentar,
Não tem cuidado algum como o que é seu;
Sacrifica por outro o bem-estar,
E, a despeito do Inferno, erige um Céu"

Esse era o canto de um Torrão de Terra,
Pisado pelas patas da boiada;
Mas um Seixo, nas águas do regato,
Modulava esta métrica adequada:

"O Amor somente a si quer contentar,
Atar alguém ao próprio gozo eterno;
Sorri quando o outro perde o bem-estar,
E, a despeito do Céu, ergue um Inferno.

(W. BLAKE)

VINÍCIUS DE MORAES

Uma mulher me ama. Se eu me fosse
Talvez ela sentisse o desalento
Da árvore jovem que não ouve o vento
Inconstante e fiel, tardio e doce

Na sua tarde em flor. Uma mulher
Me ama como a chama ama o silêncio
E o seu amor vitorioso vence
O desejo da morte que me quer.

Uma mulher me ama. Quando o escuro
Do crepúsculo mórbido e maduro
Me leva a face ao gênio dos espelhos

E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos
Vindos de ver a morte em mim divina:
Uma mulher me ama e me ilumina.

(VINÍCIUS DE MORAES)

HILDA HILST

Ama-me. É tempo ainda.

Interroga-me, e eu te direi

Que nosso tempo é agora.

Esplêndida altivez, vasta ventura

Porque é mais vasto o sonho

Que elabora há tanto tempo

Sua própria tessitura.

Ama-se. Embora eu te pareça

Demasiado intensa.

E de aspereza.

E transitória se tu me repensas.


(HILDA HILST)

ESSENCIALMENTE OS MESMOS

As pessoas são essencialmente parecidas no que se

refere às coisas do coração. Certas maneiras de sentir

são atávicas. Por isso a maior parte da produção

literária bem sucedida é a que consegue dar voz ao

que sentimos. Os personagens fictícios conseguem

desenterrar nossas lembranças reais e também

lançar luz às nossas experiências. A poesia, por

outro lado, consegue com maior intensidade ainda,

atingir a nossa alma, fazendo as palavras que

dançam com um ritmo cadenciado, ecoarem fundo

em nossa sensibilidade. " A poesia ferve as coisas até

à essência"; e um poema cumpre essa finalidade

quando nos coloca em sintonia com nossa voz

interior.


(YEDRA)

terça-feira, 3 de julho de 2007

T.S.ELIOT

Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.


(T.S.ELIOT)

ALBERTO CAEIRO

Antes o vôo da ave,

Que passa e não deixa rasto,

Que a passagem do animal,

Que fica lembrada no chão.

A ave passa e esquece,

E assim deve ser.

O animal, onde já não está,

E por isso e nada serve,

Mostra que já esteve,

O que não serve pra nada.

A recordação é uma traição à Natureza,

Porque a Natureza de ontem

Não é Natureza.

O que foi não é nada,

E lembrar é não ver.

Passa, ave, passa,

E ensina-me a passar!


(ALBERTO CAEIRO)

SHAKESPEARE

Quando eu morrer não chores mais por mim
Do que hás de ouvir triste sino a dobrar
Dizendo para o mundo que eu fugi enfim
Do mundo vil pra com os vermes morar.

E nem relembres, se estes versos leres,
A mão que os escreveu, pois te amo tanto
Que prefiro ver de mim te esqueceres
Do que lembrar-me te levar ao pranto.

Se leres estas linhas, eu proclamo,
Quando eu, talvez, ao pó tenha voltado,
Nem tentes relembrar como me chamo:

Que fique o amor, como a vida, acabado.
Para que o sábio, olhando tua dor,
Do amor não ria, depois que eu me for.


(SHAKESPEARE)

DRUMMOND

Não ensaies demais

As tuas vítimas

Ó amor, deixa em paz

Os namorados

Eles guardam em si,

Coral sem ritmo,

Os infernos futuros

E passados.


(DRUMMOND)

FABRÍCIO CARPINEJAR

O amor é insaciável. Quanto mais obtém

mais quer. Diferente da amizade, que não

aposta tão alto. A amizade larga a roleta em

um único lance. O amor não. O amor se

endivida até pedir falência.

O amor tem uma forma obscena, pois

devora a própria memória se necessário,

devora a própria imaginação se preciso.

O amor que permanece é aquele que não

sei como começou... é mais difícil virar a

página de um velho livro.



(CARPINEJAR)

GLACKENS

JOAQUIM SOROLLA

BOUGUEREAU