Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!
Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!
Florbela Espanca
LIVROS RELEVANTES
- A. Soljenish: Pavilhão de Cancerosos
- Baltasar Gracián: Arte da Prudência
- Charles Baudelaire: Flores do Mal
- Emile Zola: Germinal
- Erich Fromm: Medo à Liberdade
- Fernando Pessoa: O Livro do Desassossego
- Fiódor Dostoiévski: O Eterno Marido
- Franz Kafka: O Processo
- Friedrich Nietzsche: Assim Falou Zaratustra
- Friedrich Nietzsche: Humano, demasiado humano
- Fritjof Capra: O Ponto de Mutação
- Goethe: Fausto
- Goethe: Máximas e Reflexões
- Jean Baudrillard: Cool Memories III
- John Milton: Paraíso Perdido
- Júlio Cortázar: O Jogo da Amarelinha
- Luís Vaz de Camões: Sonetos
- Mario Quintana: Poesia Completa
- Michele Perrot: As Mulheres e os Silêncios da História
- Miguel de Cervantes: Dom Quixote de La Mancha
- Philip Roth: O Anjo Agonizante
- Platão: O Banquete
- Robert Greene: As 48 Leis do Poder
- Salman Rushdie: O Chão que ela pisa
- Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação
- Stendhal: Do Amor
- Sun Tsu: A Arte da Guerra
- William Faulkner: Luz em Agosto
- William Shakespeare: Hamlet
sábado, 15 de março de 2008
DRUMMOND
(...) Estou só, não tenho amigo,
E essa hora tardia
Como procurar amigo?
(...) Tenho tanta palavra meiga,
Conheço vozes de bichos,
Sei os beijos mais violentos,
Viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
De mãos, afetos, procuras,
Mas se tento comunicar-me,
O que há é apenas a noite
E uma espantosa solidão.
(DRUMMOND)
E essa hora tardia
Como procurar amigo?
(...) Tenho tanta palavra meiga,
Conheço vozes de bichos,
Sei os beijos mais violentos,
Viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
De mãos, afetos, procuras,
Mas se tento comunicar-me,
O que há é apenas a noite
E uma espantosa solidão.
(DRUMMOND)
VITOR HUGO
Tudo tem neste mundo
A sua lei secreta.
Tem o remeiro a barca,
Onde a fé o acompanha;
Os cisnes têm o lago,
As águias a montanha,
As almas têm o amor.
Deixa-te, pois, amar;
Que o amor é a vida.
Sem ele tudo é vão,
Ele é a luz suprema;
A beleza é a fronte,
O amor é o diadema...
Deixa-te coroar...
(VITOR HUGO)
A sua lei secreta.
Tem o remeiro a barca,
Onde a fé o acompanha;
Os cisnes têm o lago,
As águias a montanha,
As almas têm o amor.
Deixa-te, pois, amar;
Que o amor é a vida.
Sem ele tudo é vão,
Ele é a luz suprema;
A beleza é a fronte,
O amor é o diadema...
Deixa-te coroar...
(VITOR HUGO)
DRUMMOND
Eu quisera ver o mundo
Ver, no mundo,
Os muitos signos
Que vigiam sob as coisas.
Sentir, sob a forma, as formas,
Os segredos da matéria,
Mas a textura dos sonhos
De que se forma o real.
Ver a vida em plenitude
E em seu mistério mais alto;
Decifrar a linha, a sombra,
A mensagem não ouvida
Mas que palpita na Terra.
Eu quisera ter os olhos
Que assim penetram o arcano
E o torna um conhecimento humano.
(DRUMMOND)
Ver, no mundo,
Os muitos signos
Que vigiam sob as coisas.
Sentir, sob a forma, as formas,
Os segredos da matéria,
Mas a textura dos sonhos
De que se forma o real.
Ver a vida em plenitude
E em seu mistério mais alto;
Decifrar a linha, a sombra,
A mensagem não ouvida
Mas que palpita na Terra.
Eu quisera ter os olhos
Que assim penetram o arcano
E o torna um conhecimento humano.
(DRUMMOND)
DANTE MILANO
O falso amor imita o verdadeiro
Com tanta perfeição que a diferença
Existente entre o falso e o verdadeiro
É nula. O falso amor é verdadeiro
E o verdadeiro falso. A diferença
Onde está? Qual dos dois é o verdadeiro?
Se o verdadeiro amor pode ser falso
E o falso ser o verdadeiro amor,
Isto faz crer que todo amor é falso
Ou crer que é verdadeiro todo amor.
Ó verdadeiro Amor, pensam que és falso!
Pensam que és verdadeiro, ó falso Amor!
DANTE MILANO
Com tanta perfeição que a diferença
Existente entre o falso e o verdadeiro
É nula. O falso amor é verdadeiro
E o verdadeiro falso. A diferença
Onde está? Qual dos dois é o verdadeiro?
Se o verdadeiro amor pode ser falso
E o falso ser o verdadeiro amor,
Isto faz crer que todo amor é falso
Ou crer que é verdadeiro todo amor.
Ó verdadeiro Amor, pensam que és falso!
Pensam que és verdadeiro, ó falso Amor!
DANTE MILANO
CLARICE LISPECTOR
Nasci dura, heróica, solitária e em pé.
E encontrei meu contraponto na paisagem
sem pitoresco e sem beleza.
A feiúra é o meu estandarte de guerra.
Eu amo o feio com um amor de igual para igual.
E desafio a morte.
Eu - eu sou a minha própria morte.
E ninguém vai mais longe.
O que há de bárbaro em mim
procura o bárbaro e cruel fora de mim.
Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira.
Sou uma árvore que arde com duro prazer.
Só uma doçura me possui:
a conivência com o mundo.
Eu amo a minha cruz,
a que doloridamente carrego.
É o mínimo que posso fazer de minha vida:
aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.
CLARICE LISPECTOR
E encontrei meu contraponto na paisagem
sem pitoresco e sem beleza.
A feiúra é o meu estandarte de guerra.
Eu amo o feio com um amor de igual para igual.
E desafio a morte.
Eu - eu sou a minha própria morte.
E ninguém vai mais longe.
O que há de bárbaro em mim
procura o bárbaro e cruel fora de mim.
Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira.
Sou uma árvore que arde com duro prazer.
Só uma doçura me possui:
a conivência com o mundo.
Eu amo a minha cruz,
a que doloridamente carrego.
É o mínimo que posso fazer de minha vida:
aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.
CLARICE LISPECTOR
GARCIA LORCA
Mas o dois nunca foi um número
porque é uma angústia e sua sombra
porque é o violão onde o amor desespera,
porque é demonstração de um outro
infinito que não é seu
e é as muralhas do morto
e o castigo da nova ressurreição sem finais.
Os mortos odeiam o número dois,
mas o número dois adormece as mulheres
e como a mulher teme a luz
a luz treme frente aos galos e os galos
só sabem voar sobre a neve
teremos que pastar sem descanso
as ervas dos cemitérios.
FREDERICO GARCIA LORCA
porque é uma angústia e sua sombra
porque é o violão onde o amor desespera,
porque é demonstração de um outro
infinito que não é seu
e é as muralhas do morto
e o castigo da nova ressurreição sem finais.
Os mortos odeiam o número dois,
mas o número dois adormece as mulheres
e como a mulher teme a luz
a luz treme frente aos galos e os galos
só sabem voar sobre a neve
teremos que pastar sem descanso
as ervas dos cemitérios.
FREDERICO GARCIA LORCA
DRUMMOND
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
DRUMMOND
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
DRUMMOND
SHAKESPEARE
Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.
Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.
Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:
Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.
William Shakespeare
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.
Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.
Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:
Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.
William Shakespeare
CECÍLIA MEIRELLES
Numa noite de lua escreverei palavras,
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com as asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.
O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascera de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados
livre de pálpebras, e num país sem muros.
Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah,quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível
Cecília Meireles
simples palavras tão certas
que hão de voar para longe, com as asas súbitas,
e pousar nessas torres das mudas vidas inquietas.
O luar que esteve nos meus olhos, uma noite,
nascera de novo no mundo.
Outra vez brilhará, livre de nuvens e telhados
livre de pálpebras, e num país sem muros.
Por esse luar formado em minhas mãos, e eterno,
é doce caminhar, viver o que se vive.
Porque a noite é tão grande... Ah,quem faz tanta noite?
E estar próximo é tão impossível
Cecília Meireles
MENOTTI DEL PICCHIA
Goza o vôo do anjo perdido em ti.
Não indagues se nossas estradas,tempo e vento,desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite,enche-o de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota,
como um pássaro,
as canções que tens na garganta.
Canta.
Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo ao céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.
Menotti del Picchia
Não indagues se nossas estradas,tempo e vento,desabam no abismo.
Que sabes tu do fim?
Se temes que teu mistério seja uma noite,enche-o de estrelas.
Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre para o mais alto.
No deslumbramento da ascensão
se pressentires que amanhã estarás mudo
esgota,
como um pássaro,
as canções que tens na garganta.
Canta.
Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória.
Talvez as canções adormeçam as feras
que esperam devorar o pássaro.
Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo.
Rumo ao céu?
Que importa a rota.
Voa e canta enquanto resistirem as asas.
Menotti del Picchia
FERNANDO PESSOA
UMA SÓ LUZ sombreia o cais.
Há um som de barco que vai indo.
Horror! Não nos vemos mais!
A maresia vem subindo.
E o cheiro prateado a mar morto
Cerra a atmosfera de pensar
Até tomar-se este como porto
E este cais a bruxulear
Um apeadeiro universal
Onde cada um 'spera isolado
Ao ruído - mar ou pinheiral? -
O expresso inútil atrasado.
E no desdobre da memória
O viajante indefinido
Ouve contar-se só a história
Do cais morto do barco ido.
FERNANDO PESSOA
Há um som de barco que vai indo.
Horror! Não nos vemos mais!
A maresia vem subindo.
E o cheiro prateado a mar morto
Cerra a atmosfera de pensar
Até tomar-se este como porto
E este cais a bruxulear
Um apeadeiro universal
Onde cada um 'spera isolado
Ao ruído - mar ou pinheiral? -
O expresso inútil atrasado.
E no desdobre da memória
O viajante indefinido
Ouve contar-se só a história
Do cais morto do barco ido.
FERNANDO PESSOA
GRIPENBERG
Voa, meu sonho, voa sobre as planícies geladas,
Voa sobre as árvores mortas do Inverno,
Paira sobre a lonjura das belas noites de estrelas,
Nunca pares, continua a voar cada vez mais.
Arde, minha saudade, como uma chama eterna,
Arde na escuridão onde tudo se apagou e foi há muito.
Eterna é esta saudade, é a vida, é a ousadia,
E o fogo que salta sobre o véu de cinzas.
Compreende que para quem nada conseguiu,
E junto à praia nunca repousou,
Não há morte para alta fogueira que ardeu,
Não há medida para as terras azuis da sua saudade.
O meu coração vive de saudade em saudade.
Sempre para desconhecida costa se volta –
A saudade de um poeta não obedece às leis do espaço,
A terra de sonhos não tem fronteiras.
(BERTEL GRIPENBERG)
Voa sobre as árvores mortas do Inverno,
Paira sobre a lonjura das belas noites de estrelas,
Nunca pares, continua a voar cada vez mais.
Arde, minha saudade, como uma chama eterna,
Arde na escuridão onde tudo se apagou e foi há muito.
Eterna é esta saudade, é a vida, é a ousadia,
E o fogo que salta sobre o véu de cinzas.
Compreende que para quem nada conseguiu,
E junto à praia nunca repousou,
Não há morte para alta fogueira que ardeu,
Não há medida para as terras azuis da sua saudade.
O meu coração vive de saudade em saudade.
Sempre para desconhecida costa se volta –
A saudade de um poeta não obedece às leis do espaço,
A terra de sonhos não tem fronteiras.
(BERTEL GRIPENBERG)
CAROLINA SALCIDES
Do medo, eu teço mais coragem.
Um salto maior eu dou se me acorrentam.
Da dor da poda eu renasço inteira
Saio a melhor rosa da roseira.
Do cinza frio do asfalto
Do vermelho sangue nos olhos do bandido
Eu ergo minha bandeira ao alto: lilás e rosa.
Outra fada teria fugido...
Eu encanto, crio, expando.
Mesmo que minhas asas tremam
Mesmo que estejam amarradas
Eu vôo.
Mesmo que o medo açoite-me à noite
E a dúvida surja em seu caminho.
Do piloto automático eu fujo
Da venda nos olhos - que já são cegos...
Não quero a vibração das pedras
Quero a velocidade da luz.
(Carolina Salcides)
Um salto maior eu dou se me acorrentam.
Da dor da poda eu renasço inteira
Saio a melhor rosa da roseira.
Do cinza frio do asfalto
Do vermelho sangue nos olhos do bandido
Eu ergo minha bandeira ao alto: lilás e rosa.
Outra fada teria fugido...
Eu encanto, crio, expando.
Mesmo que minhas asas tremam
Mesmo que estejam amarradas
Eu vôo.
Mesmo que o medo açoite-me à noite
E a dúvida surja em seu caminho.
Do piloto automático eu fujo
Da venda nos olhos - que já são cegos...
Não quero a vibração das pedras
Quero a velocidade da luz.
(Carolina Salcides)
GOETHE
Poemas são vitrais pintados!
Se olharmos da praça para a igreja,
Tudo é escuro e sombrio:
e é assim que o Senhor Burguês os vê.
Mas, vamos! vinde cá prá dentro,
Saudai a sagrada capela!
De repente tudo é claro de cores:
Súbito brilham histórias e ornatos
Sente-se um presságio
neste esplendor nobre,
Edificai-vos, regalai os olhos!
(GOETHE)
Se olharmos da praça para a igreja,
Tudo é escuro e sombrio:
e é assim que o Senhor Burguês os vê.
Mas, vamos! vinde cá prá dentro,
Saudai a sagrada capela!
De repente tudo é claro de cores:
Súbito brilham histórias e ornatos
Sente-se um presságio
neste esplendor nobre,
Edificai-vos, regalai os olhos!
(GOETHE)
FERNANDO PESSOA
Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
FERNANDO PESSOA
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
FERNANDO PESSOA
FERNANDO PESSOA
Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
FERNANDO PESSOA
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
FERNANDO PESSOA
MARIO BENEDETTI
Às vezes me sinto
como uma águia no ar
(de uma canção de Pablo Milanês)
outras vezes me sinto
como pobre colina
e outras como montanha
de picos repetidos
Algumas vezes me sinto
como um escarpado
e em outras como um céu
azul mais longe
as vezes sou
manancial entre pedras
e outras vezes uma árvore
com as últimas folhas
mas hoje me sinto apenas
como lagoa insone
como um porto
já sem embarcações
uma lagoa verde
imóvel e paciente
conformada com suas algas
seus musgos e seus peixes
sereno em minha confiança
acreditando que em uma tarde
te aproximes e te olhes
te olhes ao olhar-me.
(Mário Benedetti)
como uma águia no ar
(de uma canção de Pablo Milanês)
outras vezes me sinto
como pobre colina
e outras como montanha
de picos repetidos
Algumas vezes me sinto
como um escarpado
e em outras como um céu
azul mais longe
as vezes sou
manancial entre pedras
e outras vezes uma árvore
com as últimas folhas
mas hoje me sinto apenas
como lagoa insone
como um porto
já sem embarcações
uma lagoa verde
imóvel e paciente
conformada com suas algas
seus musgos e seus peixes
sereno em minha confiança
acreditando que em uma tarde
te aproximes e te olhes
te olhes ao olhar-me.
(Mário Benedetti)
OCTAVIO PAZ
Entre ir e ficar duvida o dia,
enamorado de sua transparência.
A tarde circular é já baía:
em seu quieto vaivém se mexe o mundo.
Tudo é visível e tudo é efusivo,
tudo está perto e tudo é intocável.
Os papéis, o livro, o copo, o lápis
repousa à sombra de seus nomes.
Bater do tempo que em minha têmpora repete
a mesma teimosa sílaba de sangue.
A luz faz do muro indiferente
um espectral teatro de reflexos.
No centro de um olho me descubro;
não me olha, me olho em seu olhar.
Dissipa-se o instante. Sem me mover,
eu fico e me vou: sou uma pausa.
OTAVIO PAZ
enamorado de sua transparência.
A tarde circular é já baía:
em seu quieto vaivém se mexe o mundo.
Tudo é visível e tudo é efusivo,
tudo está perto e tudo é intocável.
Os papéis, o livro, o copo, o lápis
repousa à sombra de seus nomes.
Bater do tempo que em minha têmpora repete
a mesma teimosa sílaba de sangue.
A luz faz do muro indiferente
um espectral teatro de reflexos.
No centro de um olho me descubro;
não me olha, me olho em seu olhar.
Dissipa-se o instante. Sem me mover,
eu fico e me vou: sou uma pausa.
OTAVIO PAZ
PABLO NERUDA
Por que não nasci misterioso?
Por que cresci sem companhia?
Quem me mandou desvencilhar
As portas do meu próprio orgulho?
E quem saiu para viver por mim
Quando eu dormia ou adoecia?
Que bandeira se desatou
Ali onde não me esqueceram?
(PABLO NERUDA)
Por que cresci sem companhia?
Quem me mandou desvencilhar
As portas do meu próprio orgulho?
E quem saiu para viver por mim
Quando eu dormia ou adoecia?
Que bandeira se desatou
Ali onde não me esqueceram?
(PABLO NERUDA)
CECÍLIA MEIRELLES
Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.
Permita que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.
Cecília Meireles
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.
Permita que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.
Cecília Meireles
HADES PIERROT
Telescópio
Quis um telescópio...
Sem nunca tê-lo, me candidatei a sê-lo.
Desenho pedaços do céu, do meu jeito.
Quando uma estrela dá certo, dou certo...
Outras se aproximam aos brilhos, singelos,
Tão discretos,
Que nem parecem desabafos.
Hades Pierrot
Quis um telescópio...
Sem nunca tê-lo, me candidatei a sê-lo.
Desenho pedaços do céu, do meu jeito.
Quando uma estrela dá certo, dou certo...
Outras se aproximam aos brilhos, singelos,
Tão discretos,
Que nem parecem desabafos.
Hades Pierrot
SHAKESPEARE
Há quem diga que todas as noites são de sonhos,
mas há também quem garanta que nem todas as
noites, só as de verão.
No fundo, isto não tem importância.
O que interessa mesmo, não é a noite em si,
são os sonhos;
sonhos que o homem sonha sempre
em todos os lugares,em todas as épocas,
dormindo ou acordado.
( William Shakespeare )
mas há também quem garanta que nem todas as
noites, só as de verão.
No fundo, isto não tem importância.
O que interessa mesmo, não é a noite em si,
são os sonhos;
sonhos que o homem sonha sempre
em todos os lugares,em todas as épocas,
dormindo ou acordado.
( William Shakespeare )
NUNO JÚDICE
Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço
de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz (...) e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Nuno Júdice
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço
de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas a s cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz (...) e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Nuno Júdice
MARIO QUINTANA
Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez
de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca…
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês
uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos…)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se
em todas as poças
d’água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!
Mário Quintana
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez
de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca…
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês
uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos…)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se
em todas as poças
d’água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!
Mário Quintana
MARIO DE SÁ CARNEIRO
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje quando me sinto,
É com saudades de mim.
passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida ...
Desceu-me n'alma o crepúsculo,
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou,
Não vivo, durmo o crepúsculo.
Mario de Sá-Carneiro
Porque eu era labirinto,
E hoje quando me sinto,
É com saudades de mim.
passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida ...
Desceu-me n'alma o crepúsculo,
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou,
Não vivo, durmo o crepúsculo.
Mario de Sá-Carneiro
OCTAVIO PAZ
RENDIÇÃO
Depois de ter cortado todos os braços que se estendiam
para mim; depois de ter entaipado todas as janelas e todas
as portas; depois de ter inundado os fossos com água
envenenada; depois de ter edificado minha casa num rochedo
inacessível aos afagos e ao medo; depois de ter lançado
punhados de silêncio e monossílabos de desprezo a meus
amores; depois de ter esquecido meu nome e o nome da
minha terra natal; depois de me ter condenado a perpétua
espera e a solidão perpétua, ouvi contra as pedras de meu
calabouço de silogismos a investida húmida, terna, insistente,
da Primavera.
Octávio Paz
Depois de ter cortado todos os braços que se estendiam
para mim; depois de ter entaipado todas as janelas e todas
as portas; depois de ter inundado os fossos com água
envenenada; depois de ter edificado minha casa num rochedo
inacessível aos afagos e ao medo; depois de ter lançado
punhados de silêncio e monossílabos de desprezo a meus
amores; depois de ter esquecido meu nome e o nome da
minha terra natal; depois de me ter condenado a perpétua
espera e a solidão perpétua, ouvi contra as pedras de meu
calabouço de silogismos a investida húmida, terna, insistente,
da Primavera.
Octávio Paz
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